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1966 :O casamento do jovem Augusto com a dona da Boate Estrela do Ponto 4 [, Maria Vicência]. |
Maria Vicência Alves nasceu em 02/06/22, natural de
Parnaíba. Mulher destemida, exímia administradora que desde cedo enfrentou as
dificuldades da vida. Saindo do bairro onde morava para outro, no novo endereço
residencial começou a dar os primeiros passos em direção a tornar-se uma bem
sucedida mulher de negócios. Passa de inquilina a proprietária, funda uma
boate, tornando-a o lugar mais frequentado da beira do cais. Aos 44 anos,
casa-se com um jovem, vinte e três anos mais novo, sofre a dor da traição,
afasta-se por algum tempo do marido, mas sabe perdoar, apagando da sua vida
essa mancha, reatando o casamento e dando continuidade a partir daí a uma linda
história de amor, findando apenas com a sua morte em 1983, causada pela
diabetes.
Cuidava de suas afilhadas quando estavam doentes,
aplicando-lhes injeção e dando antibiótico. O pagamento só era efetuado quando
as moças pudessem pagar; a assistência à saúde mais próxima era a Santa Casa de
Misericórdia, localizada à Rua Padre Castelo Branco, no centro da cidade. “[...] Ela me arranjou um médico e um lugar
na Santa Casa. Acho que nasci lá também. Só as desvalidas nascem na Santa Casa;
senhora boa e decente tem filho é em casa, arrodeada da família, com o médico e
parteira”.
O Companheiro, Augusto Machado de Oliveira, nasceu
em Luzilândia-Piauí, em 07/06/45, saindo de sua terra natal por volta do mês de
outubro ou novembro, devido ao falecimento de sua mãe. Inicialmente morou em
Fortaleza-Ceará. Só posteriormente veio residir em Parnaíba, chegando aqui no
dia 15/02/1959.
[...] Ele trabalhou como garçom em um bar chamado
Tudo Azul. [...] Quinta-feira, passando de meia - noite e meia [...] um taxista
de alcunha “Banana” chega ao bar, diante dele estava Cravo que o indagava:- “seu banana, onde é que a gente come uma
panelada uma hora dessas? Ele disse: “só se for na Munguba”.
Diante da resposta do taxista Augusto pede para que
ele o leve até lá. Chegando ao local, sacia sua vontade, depois dirigindo-se ao
botequim que fica dentro do salão, aproxima-se do balcão e pede um guaraná.
Entre um gole e outro do refrigerante acontecia a troca de olhares entre Vicência
e Oliveira.
Oliveira estava trajando uma camisa branca com um “punzim” preto na altura do peito
esquerdo, significando sinal de luto. Ao perceber Vicência pergunta se ele está
de luto pela sua mulher. Ele responde dizendo que o sinal refere-se ao sentimento
que guarda de sua mãe. Coincidência ou não, o nome da mãe de Augusto era o
mesmo da proprietária da boate: Vicência. O nome da mãe de Vicência era
Augusta, um Se enxerguei longe, foi porque me apoiei nos ombros de gigantes trocadilho
acidental marcando, significativamente, a vida destes protagonistas. “Amor à primeira vista” - com tom forte e
taxativo refere-se Augusto ao primeiro momento em que esteve diante de sua
amada.
Depois de um simples encostar de balcão, após pedir
um refrigerante e em um breve diálogo, nasce magicamente uma história de amor
que perdurou até a morte dela e continua nas lembranças de seu Augusto. Logo
depois do primeiro encontro os dois já estavam namorando e de lá para o altar
não demorou muito tempo. A cerimônia que sela as juras de amor entre os
nubentes ocorreu tanto na cerimônia religiosa, quanto no civil. A diferença de
idade entre eles estava em torno de vinte e três anos. Este contraste de idade
foi alvo de preconceito e comentários maldosos por parte dos frequentadores ou
das meretrizes. “E me ajudou muito, me
orientou demais, ela tinha quarenta e quatro anos e eu vinte e um, quando nós
se „casamo‟ todo mundo dava conselho a ela que eu era muito novo, isso aquilo
outro e tal...”.
Oliveira fala com certo orgulho de sua juventude e
responsabilidade, nunca frequentou cabarés, nunca sentiu vontade de buscar
prazer nestes lupanares, sua função na boate era única e exclusivamente servir
aos fregueses “[...] eu era muito novo,
isso aquilo outro e tal, mais eu, eu nunca bibi, nunca fumei, nunca andei em
festa, vinha festa assim, porque vinha trabalhar, né?”.
A única coisa que incomodava Vicência era o fato de
seu companheiro algum dia “passar na sua
cara” que ele havia “limpado” o
[eu] nome, devido ela morar num baixo meretrício. Augusto, para demonstrar que
isso jamais viria a acontecer, pede a ela que nunca chegue a mencionar que ele
era um Zé Ninguém. Entre o casal, o gostar, segundo Augusto, não existia, o que
realmente os mantinham ligados era o amor “[...]
toda vida a gente se tratava bem, eu gostava muito dela, a gente se amava
mesmo, num tinha esse negócio de gostar não, a gente se amava mesmo”.
Uma descoberta surpreendente modifica por algum
tempo o relacionamento de Augusto e Vicência. Ocorreu uma traição cometida pelo
marido e que é descoberta por sua esposa. A esta relação extraconjugal ele
prefere denominar de aventura, “É aventura, o home é chei de aventura é por
isso que acontece essa traição; e mulher é menos, e ela se trair, ela fica mais
falada, isso aquilo outro e tal”. Esse fato gerou uma discussão, culminando com
o abandono do lar pelo aventureiro, ficando ausente por algum tempo.
Retornando, é recebido de braços abertos e cheios de saudade pela mulher amada.
Ele confessa que nunca foi traído pela esposa, até porque pra época um
relacionamento fora do casamento, por parte da mulher, macula sua reputação,
mesmo vivendo em um ambiente promíscuo como é o caso deles. Já para o homem
tudo é mais fácil, tornando-se até natural tal fato.
A ordem natural da vida é: nascer, crescer,
reproduzir e morrer; com a união de Oliveira e Vicência este processo não seguiu
a ordem cronológica, porque o casamento não permitiu a geração de filhos; não
se pode ter tudo na vida! Mas eles adotaram os sobrinhos de Vicência,
criando-os como se filhos biológicos fossem. O menino não tinha apreço pelos
estudos. Chegou a estudar até em escola particular. Contudo não teve jeito, sua
vocação estava na ponta do pincel e na intimidade com as tintas. É pintor. A
menina, já moça, tem vinte e seis anos e ainda é estudante.
O matrimônio será interrompido pelas fatalidades
que o destino reserva e a certeza única da vida: a morte. Vicência morreu
vítima de diabetes. É com semblante triste que Augusto fala da saudade que
sente de sua amada “... você acredita que
ainda hoje eu choro por ela, tô com vinte e dois anos de viúvo, nunca arranjei
outra mulher, né? Pra viver em casa”.
O entrelaçamento das histórias individuais
contribui para a ampliação de um campo de visão bem amplo, permitindo
compreender a formação do espaço social. Os acontecimentos quando estudados
isoladamente não possibilitam uma visão global do ambiente enquanto local que
produz cultura, impossibilitando a compreensão das peculiaridades que permeiam
a Munguba, enquanto que o entrelaçamento e o arrolamento das personagens em
consonância com suas histórias e utilizadas como elo entre todo o elenco que
compõe o cotidiano, possibilita o entendimento acerca do dia-a-dia que enlaça e
constitui a realidade dos laços afetivos ou não que contribuíram [para a]
existência da Munguba.
Extraído da dissertação de mestrado em História do
Brasil “Memórias do Cais: Parnaíba, a cidade, o rio e a prostituição
(1940-1960)” de Erasmo Carlos Amorim Morais, orientação da Profa Dra. Maria do
Amparo Borges Ferro. Universidade Federal do Piauí, 2012.
Edição do Jornal da Parnaíba
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