O Exército, a pedido do STF, terá até maio para finalizar perícia
Uma disputa de três séculos entre Piauí e Ceará pela definição das
fronteiras entre os dois estados pode estar perto do fim. A área em litígio, na
Serra da Ibiapaba, tem quase 3 mil km² e passa por 13 municípios
cearenses.
Em 2011, a Procuradoria-Geral do Piauí entrou com uma Ação no Supremo
Tribunal Federal reivindicando a definição dos limites entre os estados, como
explica o geógrafo Eric Melo, assistente técnico da Procuradoria.
Para entender esse questionamento, é necessário retroceder no
tempo. Em 1880, antes do Brasil se tornar República, um decreto imperial
determinou a atual fronteira oficial entre Piauí e Ceará. Nesse documento, o
Império “cedeu” ao Ceará as áreas que hoje são alvo do litígio e, em troca, o
Piauí teria a saída para o litoral. Mas, segundo o historiador Eric Melo, tanto
o litoral piauiense quanto a Serra da Ibiapaba haviam sido ocupadas pelo
Ceará.
Em 1920, Piauí e Ceará assinaram um acordo com a Presidência da República prevendo
um estudo definitivo para por fim à questão. Porém, esse trabalho de campo
nunca foi feito. De lá para cá, as cidades da Serra da Ibiapaba continuaram
crescendo e, hoje, mais de 8 mil pessoas vivem na região
Representantes do Piauí conseguiram nos arquivos portugueses um
documento ainda mais antigo, do ano de 1770, que comprovaria que a Coroa
Portuguesa havia concedido à administração que viria se tornar o estado do
Piauí, a área em disputa.
Já a Procuradoria-Geral do Ceará apresenta outra versão. O Comitê de
Estudos de Limites e Divisas Territoriais argumenta que documentos, também
obtidos em arquivos de Portugal, colocam em xeque a versão do Piauí, tanto
sobre a ocupação do litoral, quanto da Serra da Ibiapaba. Uma Carta Régia, de
1720, teria determinado que “toda a terra que fica em cima da Serra”,
pertenceria aos habitantes da, então, "capitania do Ceará-Grande”.
A documentação histórica pode retroceder ainda mais no tempo, chegando à ocupação
pelos jesuítas. Essa disputa é uma “herança” deixada pela colonização
portuguesa que, porém, pode parecer distante do cotidiano de alguns dos 8,5 mil
moradores da área em litígio.
Isaias Silva, morador de Ipaporanga, é favorável à mudança de Estado.
Segundo o comerciante, uma nova administração estadual pode trazer benefícios
específicos para sua região.
Mais ao sul, Lucivânia Marques, moradora de Crateús, defende que não
faz sentido pensar em mudar a identidade de uma população que há tantos anos se
considera cearense.
Documentos históricos e narrativas à parte, o fato é que o Exército, a
pedido do STF, terá até o mês de maio de 2024 para finalizar a perícia
definitiva sobre a área. A futura decisão, da Ministra Carmem Lúcia, deve
considerar também os aspectos econômicos, sociais e culturais, para,
finalmente, colocar um ponto final na disputa entre piauienses e
cearenses.
Edição: Ana Lúcia Caldas/Edgard Matsuki