Pádua Marques, cadeira 24 da APAL.
Neste finalzinho de junho, mês de Santo Antonio,
São João e São Pedro, minha irmã cozinheira resolveu depois de três anos de
recesso fazer aluá, conforme tradição de nossa casa de Parnaíba. Aluá aqui em
casa tem de se fazer em pote bem grande, coisa acima de vinte litros. Que é pra
se beber até ficar de bucho quebrado. Isso sem contar nas cortesias pra alguns
amigos de tempos passados e outros curiosos porque ouviram falar da tal bebida
e querem experimentar.
E no dia de São Pedro, o santo que fecha o mês
junino com suas boas festas, lá estamos nós de casa nos empanturrando de aluá,
bolo de milho e de goma como se fazia nos bons tempos quando mamãe era viva.
Tem gente, esse pessoal de hoje metido a ser americano, que arrenega só de
ouvir falar de aluá, assim como quem foge com medo do cão! Dizem que fede a
coisa podre, a esgoto e a vômito de menino. Realmente não é bebida pra qualquer
bico.
Aluá é bebida da mais alta tradição. É uma
verdadeira ciência, o seu preparo. Bem que deveria ser tese de doutorado nesses
cursos superiores pelo Nordeste, assim como a tapioca, a farinha de puba, o
bolo frito, o guisado de tatu, o beiju, a farinhada. É no meu entendimento uma
forma de levar pra universidade a riqueza de nossas raízes. Hoje poucas cabeças
ainda conseguem lembrar a fórmula, a receita de preparo. Coisa de guardar
debaixo de sete chaves. Fórmula secreta, uma alquimia. Mês de junho e casa que
não tenha aluá nem me convidem!
Iniciei tomando aluá mandado de cortesia da casa de
dona Tomásia, uma negra doceira afamada na rua James Clark, mulher de João
Surubaca, ele descendente e representante mais ocidental da dinastia dos
Macaés, do Catanduvas. Depois minha mãe deu pra fazer mesmo em casa. Aluá é
bicho cheio de nove horas pra se fazer. Vou aqui contar por alto como é o
preparo. Pra um pote de vinte litros a gente tem de torrar uns três quilos de
milho seco. Não pode deixar o milho virar pipoca!
Depois quebra no pilão. Despeja no pote com a água
acrescentando uns dentes de gengibre amassados, cravinho e uma porção de
farinha amarrada numa espécie de trouxinha. Esta farinha é pra azedar a bebida.
Tem região no Nordeste onde se usa o pão dormido. Depois de uns três dias
quando se começa a sentir um cheiro de azedo a gente acrescenta a rapadura,
umas vinte e das pequenas. Mas antes, enquanto o pote está coberto não é nem
pra se passar perto. Se mexer antes do tempo desanda tudo.
Nesse tempo o aluá é retirado do pote, separado
daquela espécie de cascalho de milho e se coloca em garrafas, enfim nas
vasilhas menores. A gente pode beber natural ou gelado. Eu não posso passar um
São João que seja sem beber aluá. É igual russo por vodca, o italiano por
macarronada e o português pelo bacalhau. E a gente, não eu, tem essa vergonha
de exibir nossa culinária, nossa bebida, nossa cachaça, porque acha que é coisa
de gente do mato. Como se todo mundo aqui tivesse nascido na Suíça!
Edição: Jornal da Parnaíba