sábado, fevereiro 15, 2025

A piratinga do Parnaíba, maior peixe de água doce do NE, corre risco de extinção

Barragem da usina hidrelétrica de Boa Esperança pode ter contribuído para redução da população da espécie.

Exemplar pequeno da piratinga ou piraíba, coletado para pesquisa - Foto: Telton Ramos
Os peixes, infelizmente, são animais frequentemente negligenciados em ações de conservação, principalmente por serem vistos pela população apenas como fonte de proteína alimentar.

Entre as espécies que ocorrem nas bacias do Nordeste brasileiro, encontra-se a Brachyplatystoma cf. filamentosum (Lichtenstein, 1819), conhecido popularmente como piratinga ou piraíba. Os nomes populares derivam do tupi, sendo piraíba a fusão de pirá (peixe) com aíba (ruim), ou seja “peixe ruim”, enquanto piratinga vem de pirá (peixe) com tinga (branco), isto é “peixe branco”.

A piratinga é o maior peixe de couro do Brasil
Foto: acervo Telton Ramos
Essa espécie pertence à família Pimelodidae, ordem Siluriformes, e possui ampla distribuição, ocorrendo naturalmente nas bacias dos rios Amazonas e Orinoco, nos maiores rios das Guianas e no Nordeste do Brasil. No Nordeste, há registros apenas na bacia do rio Parnaíba, nos estados do Maranhão e Piauí.

O Brachyplatystoma filamentosum pode atingir até 2,50 metros de comprimento e 300 quilos, havendo relatos de indivíduos raros com mais de três metros. Trata-se de uma espécie carnívora que se alimenta principalmente de outros peixes, habitando o fundo dos canais dos rios. É considerado o maior peixe de couro de água doce do Brasil.

A piratinga possui carne muito apreciada e, por isso, tem grande importância comercial. No entanto, atualmente não há novos registros dessa espécie no Nordeste. O último registro científico desse peixe na bacia do rio Parnaíba foi em 2011, durante minha pesquisa de doutorado. Relatos de pescadores de comunidades como Manga (município de Barão de Grajaú – MA) e Amarante (PI), ambas localizadas às margens do rio Parnaíba, indicam que a piratinga não é mais encontrada na região, apesar de ter sido uma espécie relativamente comum no passado.

Um pescador profissional do município de Alto Parnaíba (MA), com quem desenvolvi uma grande amizade durante meu doutorado, relatou que, após a construção da barragem de Boa Esperança, algumas espécies de peixes deixaram de subir o rio Parnaíba. Segundo ele, a piratinga do Parnaíba já não era pescada na porção alta do rio há mais de dez anos – esse relato é de 2011.

Histórico de ameaças

A piratinga é uma das espécies de bagres migradores que vivem na calha de grandes rios e necessitam subir esses cursos d’água para se reproduzir. A construção da usina hidrelétrica de Boa Esperança, no leito principal do Parnaíba, entre as porções alta e média do rio, na década de 1960, pode ter interrompido sua rota migratória, contribuindo para o declínio populacional da espécie.

Outro fator que agrava a situação do peixe é seu status taxonômico. Essa espécie precisa ser revisada por meio da taxonomia integrativa, utilizando dados morfológicos e moleculares. Análises de fotos de exemplares pescados no passado na bacia do Parnaíba levantaram dúvidas sobre sua real identidade, sugerindo que possa ser uma espécie nova, ainda não descrita pela Ciência, e possivelmente endêmica da bacia do rio Parnaíba ou uma outra espécie já conhecida. Por isso, utilizamos a nomenclatura Brachyplatystoma. cf. filamentosum (cf = “confer”, indicando identificação incerta e sujeita a confirmação). Incertezas taxonômicas podem levar a decisões equivocadas em estratégias conservacionistas, resultando na ausência de proteção legal para espécies que podem estar em risco de extinção – o que pode ser a situação desse peixe.

Atualmente, Brachyplatystoma filamentosum é considerada uma espécie de “menos preocupação” (LC) tanto na lista de espécies de peixes ameaçadas de extinção do Brasil (ICMBio, 2025) quanto na lista internacional da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, 2025). Assim, se a espécie do Parnaíba for realmente Brachyplatystoma filamentosum, ela não é formalmente classificada como ameaçada, pois ainda é relativamente abundante em outras bacias. Isso faz com que sua pesca continue sendo permitida, o que pode estar contribuindo para seu desaparecimento no rio Parnaíba, levando à possível extinção local.

Além disso, como ainda não foram publicadas listas oficiais de espécies de peixes ameaçadas nos estados do Maranhão e Piauí, onde há registros da piratinga no Nordeste, essa espécie permanece sem qualquer proteção específica. No entanto, a lista de espécies ameaçadas do estado do Maranhão está em fase de elaboração e a piratinga deve ser incluída como ameaçada de extinção. Tive a oportunidade de contribuir para essa lista como pesquisador.

Desde 2007, estudo os peixes da bacia do rio Parnaíba e temo pela extinção dessa espécie, que é o maior peixe de água doce do Nordeste brasileiro. Aproveito para alertar as autoridades competentes dos estados do Maranhão e do Piauí, assim como as instâncias nacionais, para que promovam ações de conservação da piratinga do Parnaíba, caso ainda existam populações remanescentes na bacia. São necessários mais estudos e expedições de pesquisa para procurar peixes dessa espécie.

Por: Telton Ramos | faunanews

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