Em Parnaíba tornou-se prática comum a ocupação
irregular das vias e áreas públicas, onde várias praças e calçadas foram
ocupadas para fins particulares. Em alguns casos, esta prática é motivada pelo
desemprego e condições precárias de sobrevivência, culminando com a atuação
falha, por vezes inexistente, da Administração Pública, no aspecto preventivo e
fiscalizatório.
A atual gestão municipal vem desencadeando uma
série de ações que objetivam promover a reintegração de alguns desses espaços
realizando a desocupação de construções e ocupações irregulares de espaços
públicos, devolvendo-os à população o seu direito de uso comum (Praça da Santa
Casa, Praça Cel. Jonas, Mercado da Guarita). Aspecto que merece o
reconhecimento público!
Uma área pública ganhou espaço de discussão na
cidade pela sua requalificação (custos) e pelo projeto em si, trata-se do Boulevard
da Beira Rio, popularmente conhecido como “Calçadão Cultural”. Segundo
noticiado pela imprensa, a obra custou mais de R$ 700 mil aos cofres
públicos, que compreende a urbanização do espaço, antes uma rua, uma área de
1.800 m² que acomoda além de restaurantes, um palco para apresentações
artísticas (http://180graus.com/noticias/parnaiba-constroi-calcada-mais-cara-do-pi-custa-mais-que-a-potycabana).
Importante ressaltar que a Superintendência do
Patrimônio da União (SPU) emitiu autorização da obra do Calçadão Cultural com
base na manutenção de uso comum do espaço. Ocorre que na calçada da rua haviam
dois trailers que vendiam lanches. Instalados há algum tempo, pessoas de bem e
trabalhadoras se mantinham honestamente na atividade comercial. Contudo, sem
nenhuma regularização do poder público.
Com a obra, esses trailers foram retirados e parece
que, como medida compensatória, a Prefeitura está construindo 02 (dois)
bangalôs para abrigá-los na área requalificada. Alguns aspectos chamam à
atenção: a SPU homologou a cessão de uso da área para este fim específico? Pois
a cessão de patrimônio da União com finalidade de instalação de empreendimento
comercial é onerosa, na forma da lei. E o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) autorizou a obra com as
características ali propostas?
A Prefeitura Municipal é que deve, a rigor, cumprir
e exigir a legalidade, porém, passa nesse caso a ser a descumpridora da lei.
Será que o empreendimento está sendo realizado à margem da legislação
urbanística, ambiental, civil, penal e registrária? Não teria o devido
licenciamento dos órgãos competentes? Esta nova intervenção no local ganha uma
outra configuração. Nesse caso específico, os quiosques em construção, atenta
contra a própria legislação que a Prefeitura usou para fundamentar as ações
anteriormente descritas e reconhecidas como necessárias para a cidade. Vão
atender ao uso particular e não comum.
O projeto, além de se afastar da concepção original
sequer tem banheiros! Ora se vão comercializar lanches e bebidas, os clientes
em caso de necessidade vão se dirigir para onde? Para os banheiros dos
restaurantes que ficam ao lado?! Aqui, outra contradição do serviço municipal:
como a vigilância sanitária vai exigir dos empreendedores que tenham o mínimo
de estrutura para servir bem aos clientes se ela mesma patrocina obras com esta
grave falha? Casa de ferreiro espeto de pau!
Outras considerações são importantes destacar: cabe
à SPU verificar a ocorrência de irregularidades na manutenção, no uso e na
integridade dos imóveis pertencentes à União, ou qualquer outro desvio de
interesse público; cabe ao Ministério Público entre as suas principais
competências, promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos; e requisitar diligências investigatórias e a
instauração de inquérito policial.
Isto é importante ser ressaltado uma vez que os
“quiosques” depois de construídos serão em seguida alienados a terceiros. Aqui
a Prefeitura parece negligenciar o fato de que a concessão e uso de espaço
público com fins lucrativos enseja a “condição de competitividade”e, por
conseguinte, deve ser feita por processo licitatório, conforme a lei. Ocupante
de área reconhecidamente irregular não têm o direito preferencial de uso.
O desafio maior do Poder Público e das comunidades
urbanas é repensar os caminhos a serem percorridos, reorganizando a própria
concepção de cidade, entendendo esta como espaço de acolhimento, extensão da
residência de cada indivíduo e macrocosmo onde se procura realizar as
aspirações de convivência pacífica e de vida com qualidade. É preciso que se admita
e construa na coletividade e, sobretudo, naqueles que exercem funções
governamentais, a consciência de que a organização das cidades, o seu
desenvolvimento e suas atividades devem obedecer a preceitos científicos, pois
não se concebe mais, no estágio de conhecimento e avanço cultural que a
humanidade se encontra, dispensar a elas um tratamento aleatório, deixando-as
crescerem ao sabor dos acontecimentos.
Por Fernando Gomes, sociólogo, eleitor, cidadão e
contribuinte parnaibano.
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