Em 1910 o estadista francês Georges Clemenceau
declarava sua perplexidade pelos níveis da corrupção em Buenos Aires: "a
economia da Argentina só cresce porque de noite os políticos e empresários
estão dormindo e não podem roubar". Foto de Clemenceau, nos anos 20, já
aposentado (disponível em Ariel Palacios, acessado em 6/12/14). Se a economia
brasileira anda crescendo pouco, isso significa que os políticos e empresários
envolvidos na corrupção endêmica andam dormindo pouco, muito menos que
"los hermanos" do princípio do século XX.
01. Hoje, 9/12, se celebra, no mundo inteiro, um
dos dias mais relevantes para o calendário da sociedade civil cidadã (agora
globalizada): trata-se do Dia Internacional de Combate à Corrupção. A data
não foi escolhida por acaso, sim, porque foi nesse dia que as Nações Unidas
assinaram a histórica Convenção contra a Corrupção, em 2003 (conhecida
como Convenção de Mérida-México), que foi parida para estimular todos os países
membros a desenvolver e, mais que isso, a implementar iniciativas que
signifiquem efetivo combate à chaga da corrupção que, diga-se de passagem, não
é um fenômeno exclusivamente humano (H. Schwartsman), visto que já constatada
inclusive em vespas e formigas. A trapaça social (invadir o alheio para
aumentar o próprio), como se vê, tem base biológica. Reforçou-se, com a citada Convenção,
a cooperação internacional, em especial na área das informações sobre
movimentações financeiras que sinalizem os malfeitos cleptocratras (como os da
Petrobra$ e do metrô$P, por exemplo). Se a data 9/12 tornou-se relevante no
mundo todo, com maior fortuna deve sempre ser recordada nos paraísos da
cleptocracia, como é o nosso caso (recorde-se: cleptocracia significa Estado
governado - também - por ladrões).
![]() |
Luiz Flávio Gomes |
02. Dois pontos chamam nossa atenção nesta
emblemática (simbólica) data: (a) os agentes financeiros (bancos,
especialmente, casas de câmbio etc.), incluindo-se os internacionais, como os
suíços, já começam a colaborar mais firmemente com as investigações da
corrupção; (b) por lei, a Polícia Federal brasileira se tornou autônoma (um
feito inigualável em termos de América Latina e até mesmo invejável em nível
planetário). Quanto aos agentes financeiros, no entanto, salta à vista ainda a
ambiguidade: de um lado fazem parte das atividades das organizações criminosas
(são também criminosos do colarinho branco), lavando os dinheiros sujos
conquistados ilicitamente nos incontáveis paraísos mundiais da cleptocracia; de
outro, com bloqueios e devolução desses dinheiros depositados em contas
bancárias, mostram-se cumpridores da Convenção Internacional citada. De dia
colaboram com as investigações (ponto positivo), de noite continuam lavando os
dinheiros sujos do mundo todo (ponto negativo).
04. A PF, "órgão permanente de Estado [não de
governo], organizado e mantido pela União [continua a dependência financeira],
para o exercício de suas competências previstas no §
1º do art. 144 da Constituição
Federal [investigação dos chamados "crimes federais"],
fundada na hierarquia e disciplina [princípios organizacionais], é integrante
da estrutura básica do Ministério da Justiça". A autonomia funcional
(agora inequívoca) não se confunde com a subordinação burocrática (ao MJ). Os delegados
federais, responsáveis pela direção das atividades do órgão, exercem função de
natureza jurídica e policial, essencial e exclusiva de Estado
(não de governo). Na prática, isso significa que a PF não é um órgão
exclusivamente técnico (policial), sim, jurídico (por fazer parte, ao lado do
Ministério Público, da Magistratura, do TCU, da CGU etc. Do poder jurídico de
controle de todos os poderes). É inadmissível, de outro lado, qualquer tipo de
interferência de qualquer outro órgão ou poder nas suas atividades (nesse ponto
a autonomia da PF se distingue completamente das demais polícias do país, que
continuam sujeitas à interferência governamental).
05. Com a autonomia da PF, de outro lado, fica
descartada a ideia de que a polícia judiciária deveria fazer parte do Poder
Judiciário (é assim que funciona nos países que adotam os Juizados de
Instrução, tal qual o sistema anglo-saxão) ou deveria se subordinar ao
Ministério Público, tal como ocorre no sistema norte-americano (e tantos outros
países como Itália, Espanha etc.). Afastados esses sistemas alienígenas,
privilegiou-se a atuação isenta e republicana da PF, na fase pré-processual. O
ingresso na carreira de delegado, privativa de bacharel em direito, se fará
agora por concurso público (meritocracia), cuja transparência e lisura vai
doravante contar com o aval da OAB. Alinhando-se a outras instituições,
exige-se três anos de atividade jurídica ou policial, comprovados no ato de
posse. A regra permite que policiais experientes da própria instituição possam
lograr aprovação para o cargo de delegado de Polícia Federal. Os ocupantes do
cargo de Perito Criminal Federal são responsáveis pela direção das atividades
periciais do órgão (aqui reside a autonomia funcional da chamada polícia
técnica ou pericial).
Edição Jornal da Parnaíba
Autor: Luiz Flávio Gomes
Nenhum comentário:
Postar um comentário