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| Procurador-geral da República, Rodrigo Janot |
01. Para o procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, os representantes das empreiteiras teriam cometido vários crimes: fraude
em licitação, lavagem de dinheiro, crime contra o mercado e corrupção ativa. O
papel exercido por elas no escândalo da Petrobras não teria sido inexpressivo.
Não faz sentido (ele disse) que tivessem as empreiteiras sido extorquidas e, ao
mesmo, instituído a distribuição dos lotes em licitação. Como alguém pode ser
extorquido para ganhar dinheiro e ainda ajudar os partidos e os políticos em
suas campanhas? Pelo que foi noticiado até aqui, os contratos da Petrobras eram
superfaturados e repartidos entre as empresas. Ao mesmo tempo, funcionários da
empresa e políticos (assim como seus respectivos partidos) recebiam propinas
bilionárias (algo que se estima superior a R$ 10 bilhões). Claro que todas as
alegações das empreiteiras serão analisadas pela Justiça.
03. Para que se compreenda bem a escolha que os
empresários fizeram temos que recordar a estrutura do nosso ordenamento penal.
Já tínhamos no Brasil três sistemas penais. São eles:
1º) O sistema penal clássico, típico do Estado
constitucional e democrático de direito, dotado de incontáveis direitos e
garantias fundamentais, hoje consolidado nas disposições legais,
constitucionais e internacionais. Trata-se do sistema conflitivo, que pressupõe
a investigação do crime, um órgão acusador e um juiz independente e imparcial
(sistema acusatório), assim como o clássico devido processo legal (escrito,
burocratizado, com respeito à ampla defesa e ao contraditório, provas lícitas,
recursos etc.). A colaboração do réu, aqui, é pouco relevante (mera diminuição
da pena). O ônus da prova compete a quem faz a acusação e o réu tem direito ao
silêncio (que não pode ser interpretado em seu prejuízo). Esse sistema sempre
foi manobrado (manipulado) pelos poderosos (políticos e econômicos), que
ordinariamente eram favorecidos pela impunidade ou mesmo pela
improcessabilidade (nem sequer eram processados). Assim sempre funcionou a
Justiça penal no Brasil, com todos os privilégios em favor dos nobres e
fidalgos (desde as Ordenações do Reino);
2º) Paralelamente ao sistema penal garantista e
minimalista (a pena, sobretudo a de prisão, deveria ser aplicada como última
medida), foi sendo desenvolvido, na prática, outro sistema penal (regido pelo
estado de polícia, que é a sombra do Estado democrático de Direito). A quem se
aplica esse sistema? Normalmente aos réus não poderosos (aos réus que não
pertencem ao grupo do colarinho branco), aos marginalizados, aos traficantes,
aos inimigos, aos que quase nunca podem constituir advogado etc. As garantias nesse
sistema são precaríssimas. Usa-se e abusa-se da prisão preventiva (41% do
sistema carcerário), que é cumprida em estabelecimentos penais desumanos,
crueis e inconstitucionais. O populismo penal (veja meu livro Populismo
penal midiático) é a vértebra ideológica desse sistema, que se originou nos
EUA, no final dos anos 60 e começo dos anos 70 do século XX; alguns réus do
mensalão, poderosos, experimentaram esse direito do inimigo, posto que reclamam
o não atendimento dos seus direitos, como o duplo grau de jurisdição, por
exemplo;
3º) O terceiro sistema (ou subsistema) penal nasceu
em 1995 (com a lei 9.099): ele permite a transação penal nas infrações penais
de menor potencial ofensivo (crimes até dois anos) assim como a suspensão
condicional do processo (pena mínima não superior a um ano). Trata-se de um
modelo consensuado (acordo, conciliação), que evita a pena de prisão, valendo
observar que o réu não admite que é culpado (incide aqui o "nolo
contendere" - não quero contender, litigar). Nisso se distingue da plea
bargaining norte-americana (onde o réu confessa o crime e admite
culpabilidade).
04. Com o advento da Lei 12.850/13 (lei do
crime organizado) o poder punitivo brasileiro estruturou o 4º subsistema penal,
muito parecido com a plea bargaining norte-americana, que faculta a
negociação penal (entre órgãos repressivos e o réu e seu defensor), por meio da
delação premiada, em qualquer crime, desde que praticado por organização
criminosa. Os prêmios vão desde a não abertura de processo até o perdão
judicial, passando pela diminuição de penas e substituição de regimes. Esse
novo paradigma punitivo passou a reger, com o escândalo Petrobras, crimes de
alta ou altíssima relevância, cometidos por agentes poderosos do colarinho
branco (políticos ou econômicos), porque a delação premiada não tem limitação
legal. Um divisor de águas, nesse sentido, é a delação premiada de Paulo
Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras). Nesse sistema a decretação da prisão é
frequente, mesmo quando não presentes os requisitos legais. Busca-se o acordo
assim como a recuperação do dinheiro e bens indevidamente usurpados. Muitos
advogados não concordam com esse sistema porque rebaixa os direitos e garantias
fundamentais do primeiro sistema.
05. Os empreiteiros, assim, até agora, resistem à
delação premiada porque querem ver respeitados todos os seus direitos
constitucionais. Afinal, a delação é um direito e não uma obrigação (eles
dizem). Preferem o silêncio à delação, mesmo correndo o risco de eventualmente
serem tratados e duramente condenados como inimigos do sistema, sem o respeito
às garantias fundamentais. A maré do sistema punitivo, no Brasil, não está para
nenhum peixe, sobretudo para os graúdos (que pela primeira vez conheceram de
perto, coletivamente, como funcionam os infestados e inóspitos presídios - ou
melhor, chiqueiros - nacionais).
Por professor Luiz Flávio Gomes
Edição Jornal da
Parnaíba

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