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Cena comum na primeira metade do século passado |
Bom que a gente comece a colocar as barbas de molho
porque do jeito que a coisa está não vai ser nada fácil viver sem uma gota de
água dentro de casa daqui pra mais uns dias. Todo que é santo dia no Jornal
Nacional a gente fica assistindo as reportagens sobre a crise no abastecimento
na cidade de São Paulo e que já começa a chegar ao interior. Tem gente que nem
mete mais a cara na porta tamanha a situação de não poder mais tomar banho
tamanha a catinga empestando a rua.
E me lembro que meu pai contava que seus pais
contavam sobre o sofrimento do povo das regiões do Maranhão e do Piauí naqueles
idos de 1920. A coisa era tão feia, mas tão feia que quando chegavam nas
cidades e povoados aquelas rumas de retirantes do Ceará passando pra o Pará,
Amazonas e o Acre, muita gente trancava as portas, fugia de casa e até subia na
torre da igreja pra não ter que dar uma sede d’água. Houve até morte depois de
saques nesse meio de mundo.
Cachorro, esses eram os animais que mais sofriam.
Quando entravam aquelas multidões de retirantes famintos, sujos e maltrapilhos
eram os primeiros a ficar de bico calado. Vai que um doido no meio daquela
gente encasquetava com o animal e por dê cá essa palha lá estaria sem mais nem
ver no espeto. Aqueles maiores e que ainda tinham sustança corriam pra latir se
escorando nas cercas com medo de cair. Foi feia a coisa. E muita gente que hoje
ostenta nome de família na Parnaíba veio no meio desse bando. Mas foi com muito
trabalho e sofrimento que fizeram crescer e prosperar uma grande cidade no
norte do Piauí, a Parnaíba.
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Retirantes da seca em busca de de um oásis |
Meu pai chegou mais tarde, em 1930. Não vinha com a
burra cheia e muito menos com nome pomposo de filho de políticos. Vinha sim, órfão de pai e mãe. Não veio do
Ceará nem da Paraíba e muito menos do Pernambuco. Vinha molecote do Brejo de
Anapurus, hoje aqui perto, mas naquele tempo um terror de distância. Vinha
também tangido pela pobreza crônica do interior do Maranhão e ainda com catinga
de mijo com pouco menos de quinze anos.
O Brasil assistia a secas cada vez mais prolongadas
com deslocamentos de sua população. Gente que iria povoar o Acre, Rondônia,
Amapá, terras difíceis de se chegar. Entre 1914 e 1015 o mundo estava metido
numa grande guerra que somente acabaria três anos depois. E agora nós que somos
homens instruídos, que tivemos a oportunidade do banco de escola, que temos o
domínio da comunicação á distância cada vez com maior rapidez devemos nos
debruçar sobre este futuro de incertezas e encararmos de frente e rápido. Este
ano que se avizinha, 2015, vai certamente ser o início de um período de grandes
dificuldades.
O Nordeste está passando e deve continuar dentro de
um período de estiagem. Já morre gado, plantação, cursos de água e deve morrer
gente grande, velho e menino. Não tenham dúvidas quanto a isto. Do Sudeste e do
Centro Oeste, onde estão concentradas as indústrias, os grandes centros de
pesquisa e de consumo certamente que ocorrerão deslocamentos de população pra
onde houver ainda abundância e expectativa de água. E os governos ruins que
tivemos não tiveram a sensibilidade de enxergar com responsabilidade um grande
problema. Agora é ficar de guarda esperando aqueles vem entrando na cidade com
cara de famintos, sujos e com sede. E o cachorro a gente trata de deixar lá no
fundo do quintal porque do jeito que a coisa está é arriscado ele virar
churrasco.
Por Antônio de Pádua
Edição do Jornal da Parnaíba
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