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Zúñiga dá uma joelhada voadora e deixa Neymar fora da Copa do Mundo de 2014 |
Meus amigos: do
ponto de vista do direito penal não há nenhuma dúvida de que o lateral
colombiano Zúñiga, com sua atrabiliária entrada, gerou risco proibido e cometeu
formalmente o delito de lesão corporal de natureza grave (grave porque Neymar
ficará mais de 30 dias impossibilitado para suas atividades esportivas). Pode
ter havido dolo direto (intenção inequívoca de lesar), dolo eventual (assumiu o
risco de produzir o resultado), culpa consciente (previu o resultado, mas não o
queria) ou culpa inconsciente (nem sequer previu o resultado).
De qualquer
modo, tratou-se inequivocamente da geração de um risco proibido (e, portanto,
ilícito). Quando um jogador disputa a bola e vai na bola, estamos diante de um
risco permitido (isso está permitido pelas regras do jogo). Quando o jogador
não vai na bola, sim, somente no corpo do outro atleta, surge o chamado (por
Roxin) risco proibido. O risco proibido gera formalmente um ilícito. O ilícito
pode ser desportivo ou criminal. O ilícito desportivo constitui formalmente um
crime (no caso do Neymar, lesão corporal grave). Mas isso não significa
automaticamente a incidência do direito penal. Por quê?
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Marcelo pede ajuda para socorrer Neymar que se queixa de fortes dores na coluna. |
Nos eventos
esportivos, mesmo quando há um fato formalmente criminoso decorrente da geração
de um risco proibido (jogada não permitida pelo esporte, como a mordida de
Suarez ou a fratura causada por Zúñiga), por que o jogador não é preso em
flagrante?
Não se prende em
flagrante o jogador (que, normalmente, nem sequer responde a um processo
criminal) em virtude de um relevante princípio do direito penal: o da
subsidiariedade, que é expressão da intervenção mínima do direito penal. Quando
outros ramos do direito cuidam do assunto e é suficiente, o direito penal fica
afastado (visto que ele só pode intervir minimamente, em último caso).
Há uma expressão
latina que bem expressa isso: ultima ratio, isto é, o direito penal é o
último instrumento do qual temos que nos valer para punir aqueles que se
desviam das condutas esperadas, infringindo as normas. Se o direito desportivo
é suficiente, fica eliminado o direito penal. Essa lógica é frequente no
futebol: se uma advertência é suficiente, o árbitro evita o cartão amarelo; se
este é suficiente, posterga-se o vermelho; se as sanções desportivas são
suficientes, afasta-se o direito penal.
É isso que
explica a razão pela qual Suarez não foi processado criminalmente (foi, no
entanto, punido pela Fifa, que também deve punir Zúñiga). Enquanto as sanções
da Fifa (nos casos dos ilícitos ocorridos durante uma partida de futebol,
dentro do gramado) são suficientes, deixa de incidir o direito penal. Diga-se
de passagem, as sanções da Fifa não são suaves e, ademais, são normalmente
rápidas (ela trabalha com a certeza do castigo, algo que não acontece com o
direito penal, que é demorado e bastante falível).
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Zúñiga meio campista da Colômbia responsável pela entrada violenta em Neymar |
Lamentamos a perda do nosso
craque, mas temos que cuidar das nossas emoções, que muitas vezes fazem pó da
razão. Na internet já eclodiu o desejo de justiçamento (vingança contra o
jogador e sua família). É assim que começam muitos linchamentos (como foi o
caso de Fabiane Maria de Jesus, em Guarujá). E linchamento é a negação da
civilidade que nós, brasileiros, demonstramos frente aos estrangeiros durante
esta Copa do Mundo.
Da redação
do Jornal
da Parnaíba
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Por LUIZ FLÁVIO
GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. professorLFG.com.br e no twitter: @professorlfg
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