segunda-feira, novembro 12, 2012

Um domingo no Cine Teatro Eden

Cine Teatro Eden
O CINEMA DO MIGUEL: UMA FÁBRICA DE SONHOS

20:30hs. de um domingo qualquer. Uma pequena multidão vai entrando pela porta principal do cinema. Senhoras em seus melhores trajes e jóias. Homens em sua fatiosa domingueira. Todos vão se acomodando e tomando seus lugares na sala. Os camarotes do lado esquerdo, com placas de nomes tradicionais da cidade: Os Campos Véras, os Mendonça Clark, os Neves da Silva, os Moraes Correia, e muitos outros. Todos se cumprimentam e fazem acenos amigáveis.

Um perfume bom paira no ar. Nos camarotes do lado direito a rapaziada da terra, comportada, de acordo com o ambiente, tenta localizar no salão, namoradas retardatárias. Uma ou outra "mulher da vida", se aventura furtivamente a sentar no lado direito, junto aos homens. Na meia luz que precede a exibição da película, o silêncio é quebrado pelo barulho dos leques das damas, o farfalhar das sedas dos vestidos e o murmúrio civilizado do pessoal de boa linhagem.

Um frisson toma conta da sala, o filme vai começar.

Assim, um cronista da época (não existia Coluna Social), descreveria uma sessão das 8, no Cine Teatro Éden de Parnaíba; durante longo tempo, nosso templo de diversão e ponto de encontro da gente de bem da cidade.

Não importava as cadeiras de madeira dura, o salão sem declive e a decoração sombria. Nada disso tinha importância. Para nós, era um mundo mágico, onde tudo podia acontecer. Os donos da casa eram gente saudável e simples. Ela, D. Alinda, mulher bonita e bem cuidada. Ele, o Miguel, de tipo atlético, falava alto, extrovertido.

Não sei de namoro, noivado ou casamento que, não tenha começado no Éden. A sessão das 6, era franqueada a nós menores e toda a turma jovem. Lá, dávamos asas à nossa fantasia e a casa vinha abaixo com as aventuras de Errol Flynn e Tyrone Power. Nas horas de maior movimentação na tela, quando o mocinho duelava com o bandido ou salvava a mocinha das garras do vilão, o barulho e assovios eram ensurdecedores de ouvidos e quarteirões. A maneira dos pares entrarem no cinema, funcionava como um código: de mãos dadas, era noivado na certa. De braços dados, era casamento na porta.


Corria o ano de 1940. "E o Vento Levou", filme do século (engraçado como essa previsão funcionou), estrearia na sessão de 20 e 30h no Éden. A censura era 14 anos. O filme tinha cenas "fortes" (santa ingenuidade). Eu não tinha a menor chance de vê-lo. Porém com a cumplicidade de minha tia Else e o apoio de meu tio José, que era o operador do cinema, eu fui trancado na cabine de projeção às 16h. Foi uma longa espera e suadouro de 4 horas. Porém valeu o sacrifício. Eu fui o único da turma, a ver as cenas de Gable com a Vivien Leigh, hoje tão vistas e revistas na tela da televisão.

Durante muitos dias, fui olhado por todos, com inveja, por este feito.

Crônica transcrita do Livro "Estórias de uma Cidade Muito Amada" de Carlos Araken e publicado no facebook de Helder Fontenele

Edição do Jornal da Parnaíba
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