“Governo tem 59 bilhões para investimento, mas não
consegue gastar.” A manchete do Estadão do último dia 8 de julho
parece irreal. Ter dinheiro e não conseguir gastar não soa verossímil. Mas é
uma realidade bastante conhecida pela administração pública.
Gastar dinheiro público não é fácil, e nem deve
ser. Submetidas a uma série de procedimentos e controles, com a louvável
finalidade de evitar desvios e mau uso dos recursos públicos, a despesa pública
é um ato complexo. Previsão legal no orçamento, licitações, empenho,
cronogramas, liquidações, enfim, há um longo percurso até o desembolso.
Somente isto já mostra a necessidade de se ter uma
administração pública preparada para operacionalizar o gasto público de forma
rápida e eficiente, pois a liberação tardia do recurso pode até mesmo
inviabilizar a finalidade para a qual seria destinado.
Infelizmente não é o que se verifica, por uma série
de razões.
De início, há que se observar que a gestão de
recursos públicos está se tornando uma atividade cada vez mais complexa, a
exigir pessoal especializado para cumprir esta que é uma atividade-meio, e não
fim.
Assim é que em hospitais públicos espera-se
encontrar médicos; em escolas públicas, professores; na segurança pública,
policiais; no Judiciário, juízes; e em todos eles, além destes, os demais
profissionais preparados para cumprir a finalidade para a qual os órgãos foram
criados.
No entanto, nesses órgãos as despesas públicas
ocorrem o tempo todo, e em valores expressivos. É evidente que não se pode
esperar de médicos, professores e outros profissionais de áreas específicas,
conhecimento, experiência e desenvoltura, por exemplo, em realizar licitações,
sem contar todos os demais procedimentos próprios da complexa operacionalização
da despesa pública.
Natural que ocorra o que se vem observando em toda
a administração pública: a falta de profissionais especializados em gestão
pública leva a um enorme desperdício de dinheiro. E não há que se falar desvios
decorrentes de corrupção, apropriações indevidas e outros atos ilícitos. Uma
lastimável perda de dinheiro que decorre pura e simplesmente de um fator: má
administração.
Ainda mais lamentável é constatar que os recursos
desperdiçados por má gestão são de grande monta. Valores que, embora
praticamente imensuráveis, não sendo possível calcular com precisão, dão todas
as evidências de que sejam extremamente expressivos. Não seria de se espantar,
caso se pudesse chegar a um cálculo exato, de que venham a superar os
decorrentes de corrupção e outros desvios. E mais: é extremante difícil
responsabilizar agentes públicos por má gestão.
É de todo evidente que de nada adianta arrecadar
mais se, na hora de gastar, os recursos são mal aplicados e não chegam ao seu
destino. Já passou a hora de se voltarem os esforços, a energia e as
preocupações para a despesa pública, e não para a receita.
A relação fisco-contribuinte já atingiu seu limite:
os contribuintes não suportam mais a carga tributária, e o aumento da
arrecadação só trará prejuízos ao cidadão e também ao país. Ademais, a
administração pública, no que tange aos órgãos encarregados da arrecadação,
estes sim, especialmente após as transformações que se observaram a partir da
década de 90, têm se informatizado, modernizado e aumentado sua eficiência,
servindo de exemplo até para outros países. Não há porque priorizar a receita.
Portanto, passou a hora de conferir a mesma — ou
até maior — eficiência aos órgãos que gastam o dinheiro público.
É verdade que a administração pública vem passando,
já há algumas décadas, por processo de modernização. Novas técnicas de
administração pública vêm sendo implantadas, e na década de 90 houve uma
intensificação deste processo. Embora ainda não consolidado, o processo de
transformação de uma administração pública burocrática, mais preocupada com os
procedimentos e a continuidade, em uma administração pública gerencial, mais
moderna e eficiente, com gestores comprometidos com resultados e metas, é um caminho
sem volta.
A modernização do processo orçamentário, iniciada
na década de 60, com o orçamento-programa e as normas de planejamento da ação
governamental, se tornaram mais evidentes a partir, principalmente, da Lei de
Responsabilidade Fiscal, em 2000, com as novas exigências de coordenação e
planejamento da administração pública.
A Constituição de 1988 e a estabilização da moeda
em meados da década de 90 permitiram a retomada do planejamento governamental —
que se perdeu no período de alta inflação —, com a exigência de um planejamento
amplo e ao mesmo tempo eficiente, abrangendo todos os entes federados, de forma
coordenada.
As normas de planejamento, com a exigência de
planos plurianuais, leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos anuais com
previsões precisas e confiáveis, e programas governamentais bem construídos,
com resultados, metas e indicadores claros e factíveis, tornam a administração
pública mais democrática e transparente. Obrigam o administrador a respeitar a
vontade da sociedade, perseguindo os objetivos por ela traçados, e os submete a
um controle social mais efetivo. Fazem-no pensar a longo prazo, evitando a
descontinuidade das ações governamentais. E geram um comprometimento dos
governantes com políticas de Estado e não políticas de governo, efêmeras e que
não podem ficar restritas ao mandatário do momento.
Notam-se avanços. Os planos plurianuais têm se
aperfeiçoado a cada nova edição, e as leis de diretrizes orçamentárias
intensificaram seu papel como instrumentos de planejamento da ação governamental.
Já há exigências de planejamento intragovernamental, como é o caso do Poder
Judiciário, com a Resolução 70, de 2009, do Conselho Nacional de Justiça, que
instituiu o planejamento estratégico nos tribunais.
O mesmo se pode verificar com o aumento da informatização
e a introdução de técnicas mais modernas de gestão.
Há, no entanto, que se dar maior velocidade a este
processo, que se mostra aquém das expectativas.
A maior parte da administração pública ainda não
aderiu a este processo, especialmente no âmbito de estados e municípios; a
implantação das modernas técnicas de gestão, bem como a construção de uma
administração pública com gestores profissionais, ainda é incipiente. Os
Tribunais de Contas ainda não consolidaram a prática de fiscalizar a eficiência
do gasto público, e ainda predomina na maior parte deles a análise meramente
formal das despesas públicas, o que não se coaduna mais com as novas tendências
da nova administração pública.
A informatização que já tomou conta da iniciativa
privada não guarda correspondência na máquina pública, que segue atrás, muito
mais lentamente do que se pode esperar.
Há, portanto, muito o que fazer. E rápido, pois
enquanto isto o dinheiro público — meu, seu e nosso v vai embora, sem que
tenhamos o retorno devido em serviços públicos de qualidade.
Finalizo pedindo desculpas, em parte, pelo título
desta coluna, em que estou ciente ter exagerado, sendo até incorreto, ao dizer
que não falta dinheiro. É evidente que dinheiro também falta, e não é pouco.
Por mais que se melhore a gestão, há muitos setores em que os recursos são
escassos, e ainda que bem geridos, são insuficientes para atender a demanda
para a qual foram criados. Mas creio que esta quase “licença poética” se
justifica para chamar a atenção àquele que é hoje o aspecto mais urgente e
relevante na administração pública: aprimorar a qualidade do gasto público em
todos os seus aspectos, tornando-o mais eficiente, com melhor relação
custo-benefício, permitindo assim que os sempre e cada vez mais escassos
recursos públicos sejam bem aproveitados.
É hora de se concentrar na despesa e não na
receita, fazendo mais com menos.
José
Mauricio Conti é juiz de Direito em São Paulo, professor associado da
Faculdade de Direito da USP, doutor e livre-docente em Direito Financeiro pela
USP.
Revista Consultor Jurídico, 31 de julho de
2012
Edição: Jornal da Parnaíba
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