![]() |
Tela "Grito do Ipiranga" de Pedro Américo no Museu do Ipiranga |
A Independência do Brasil teve guerras, defendem historiadores. A Batalha do Jenipapo, no Piauí, foi a mais sangrenta.
Em 1822, vestindo um imponente fardão imperial, Dom Pedro, cercado pelos Dragões da Independência, ergueu sua espada e disparou contra Portugal: “Independência ou Morte!”. Sem lutar, fundou ali uma nação. Bonito, mas a emancipação política do Brasil, comemorada neste dia 7 de setembro, não foi tão plástica e pacífica quanto sugere a descrição do quadro do pintor Pedro Américo (foto), tampouco isenta de conflitos. “Costuma-se dizer que não houve revolução nem guerras de independência no Brasil. Isto é um equívoco”, afirma o historiador da Universidade de São Paulo (USP), João Paulo Garrido Pimenta.
“Foi uma revolução do ponto de vista da construção de um novo Estado, baseado em um novo ideal político. Além disso, também existiu um enfrentamento para a construção de uma unidade”, explica a pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e editora da revista eletrônica Almanack Braziliense, Andréa Slemian.
Nas províncias da Cisplatina, atual Uruguai, Bahia, Piauí, Maranhão e Pará, partidários dos portugueses, geralmente comerciantes ligados à Metrópole, não aceitaram de cara a separação. Em Salvador, por exemplo, a independência só é comemorada em 2 de julho, pois foi neste dia, em 1823, que as tropas brasileiras conseguiram conter os pró-lusitanos. No Piauí às margens do rio Jenipapo, no atual município de Campo Maior, foram palco de uma sangrenta batalha envolvendo os partidários da independência brasileira e a resistência portuguesa que procurava evitá-la. Era 13 de março de 1823. Este confronto pode ser visto como um dos momentos cruciais da adesão da província piauiense ao processo emancipatório brasileiro.
“A independência do Brasil foi uma solução momentânea, porque criou um novo problema para as elites: a construção da unidade”, completa Andréa. Estava lançado o desafio: agregar regiões tão diferentes em torno de uma ideia nacional.
Pretendendo fortalecer união, vinda da Família Real favorece separação
Na parte espanhola da América, os vários processos de emancipação, iniciado com a Venezuela em 1810, resultaram em uma série de nações fragmentadas. Mas nenhuma outra colônia, conta a pesquisadora do IEB, havia acolhido a própria Família Real como o Brasil em 1808.
Fugindo das tropas napoleônicas, que já haviam invadido a Espanha no ano anterior, o príncipe regente Dom João VI desembarcou na colônia de mala, cuia e com toda a corte na bagagem para preservar a figura do rei e do poder concentrado em torno da coroa portuguesa. “Com a vinda da corte o Brasil ganhou outra estatura política”, explica o historiador da USP.
Pimenta conta ainda que em 1815, quando o Brasil foi elevado à condição de Reino Unido de Portugal e Algarves, a ex-possessão foi “ganhando ares de que podia governar a si mesma”. Para melhor administrar, a Coroa tratou de criar órgãos públicos, como o Banco do Brasil e a Imprensa Régia. Com isso, mesmo com o intuito de fortalecer a união entre colônia e Metrópole, a vinda da Família Real criou estruturas públicas para que o Brasil pudesse se administrar.
Mas com o fim das Guerras Napoleônicas, em 1820, a aristocracia em Lisboa se reestruturou, constituiu as chamadas Cortes, assembleias legislativas, e exigiu o retorno de Dom João VI, coroado rei de Portugal. Mais uma vez, ele optou pela unificação e, antes que as províncias brasileiras apoiassem as Cortes, retornou para também aprovar a mudança de regime para a monarquia constitucional. Para manter o vínculo no país, deixou seu filho, o príncipe Dom Pedro.
“A realidade inspira e não escraviza o pintor”
As elites viram no príncipe uma oportunidade para promoverem seus interesses políticos e manter os privilégios comerciais ante os portugueses, conseguidos com mudança do pólo econômico e administrativo de Lisboa para o Rio de Janeiro. “Dom Pedro era uma espécie de transição entre a velha e a nova ordem e por isso ele é mais facilmente aceito por diferentes grupos. Ele personifica uma certa estabilidade em meio a uma revolução”, explica Pimenta. Tanto que traços do regime anterior, como a escravocracia e a monocultura, foram mantidos. “Não existe revolução que transforme todas as coisas ao mesmo tempo."
O historiador explica que a Independência foi um processo que aconteceu ao longo de 1822, desde 9 de janeiro, o “dia do fico”, em que o príncipe rejeitou o ultimato para retornar a Lisboa, passando por 12 de outubro quando foi aclamado Imperador. O processo continuou até 1º de dezembro, quando Dom Pedro enfim foi coroado. Para Pimenta, tanto a aclamação quanto a coroação “são mais importantes que o 7 de setembro”. “O grito do Ipiranga, se é que existiu mesmo, foi conhecido por pouca gente. Os dados são muito escassos", afirma.
“O problema é a gente sempre pensar a história do Brasil como uma jabuticaba, algo que só aconteceu aqui. Todos os estados nacionais, além de criarem suas instituições, inventam sua história”, pondera Andréa.
Em um livreto impresso em 1888, em Florença, Pedro Américo conta a respeito da tela “Grito do Ipiranga”, onde destaca que “a realidade pode inspirar, mas não escravizar o pintor”. O quadro, segundo o próprio pintor, pretendia engrandecer e glorificar a população brasileira que nascia naquele momento, conforme o livro “O Brado do Ipiranga”, de Cláudia Valladão de Mattos e Cecília Helena de Salles Oliveira. O quadro foi pintado para o Museu do Ipiranga, construído entre 1885 e 1890 para celebrar a proclamação da Independência.
![]() |
Monumento em homenagem aos mortos da Batalha do Jenipapo |
13 de Março - A Batalha de Jenipapo (PIAUÍ)
Às margens do rio Jenipapo, no atual município de Campo Maior, foram palco de uma sangrenta batalha envolvendo os partidários da independência brasileira e a resistência portuguesa que procurava evitá-la. Era 13 de março de 1823. Este confronto pode ser visto como um dos momentos cruciais da adesão da província piauiense ao processo emancipatório brasileiro.
Apesar da independência tem sido oficialmente proclamada a 7 de setembro de 1822, pelo príncipe regente São Paulo, as outras regiões da América portuguesa não havia aderido. Aquele gesto simbolizava apenas a adesão da região Centro-Sul. O processo de independência nas outras áreas implicou em se cruentas batalhas, especialmente no norte, incluindo o nordeste atual. Essa área era alvo de pretensão portuguesa de perpetuar domínios na América.
Neste sentido, a província piauiense assumia uma importância fundamental para o governo português em virtude da sua posição territorial, encravada entre as províncias ocidentais e orientais do norte da América portuguesa. Por conta disto e, sobretudo, devido à expansão dos ideais emancipacionistas, desde 1821 eram enviadas, pelo governo português, quantidades significativas de armamentos e munições bem como havia a nomeação de militares experientes para cuidar desta região. Para essa província fora nomeado João José da Cunha Fidié como governador das armas. Ele era experiente militar, veterano nas guerras napoleônicas.
No Piauí, a primeira vila a se manifestar favoravelmente ao governo de D. Pedro I, instalado no Rio de Janeiro, foi São José da Parnaíba, através da Câmara local. Era 19 de outubro de 1822. Essa iniciativa fez com que as tropas favoráveis a Portugal se deslocassem de Oeiras para Parnaíba, lideradas pelo próprio governador das Armas, o Major Fidié.
Antes de chegarem à vila do extremo norte, as tropas eusófilas estacionaram em Campo Maior, na qual procuraram apurar denúncias acerca dos preparatórios de adesão às tendências emancipacionistas. Neste ínterim, as lideranças parnaibanas se deslocaram para o Ceará. Assim quando as tropas de Fidié chegaram a Parnaíba não encontraram resistências.
Enquanto as tropas portuguesas estavam em Parnaíba, outros povoados e vilas aderiram ao processo emancipatório, dentre eles Piracuruca, Matões e Oeiras, em janeiro de 1823. Nesta última ocorrera a deposição da Junta Governativa pró-Portugal. Além disso, alguns contingentes cearenses chegaram ao Piauí. Neste contexto, deu-se a proclamação da independência em Campo Maior, em fevereiro de 1823.
No início de março de 1823 as tropas de Fidié saíram de Parnaíba para tentar submeter as demais vilas que estavam aderindo ao processo de independência. Seguiram-se alguns breves incidentes no trajeto, porém, o maior combate se deu às margens do rio Jenipapo.
A expectativa do avanço das tropas portuguesas rumo à Campo Maior implicou numa mobilização sem precedentes da população local para formação de tropas para o combate, agregando-se grupos de vaqueiros e roceiros armados com os instrumentos disponíveis, como: facões, machados, foices, espetos, espingardas, paus e pedras. Enquanto as tropas inimigas eram bem armadas, municiadas, disciplinadas e organizadas sob o comando de experientes militares.
O grande confronto se deu no dia 3 de março de 1823, nas proximidades do rio Jenipapo. Cerca de 2500 piauienses e cearenses, sem adestramento militar, e debaixo de um sol abrasador num ano de estiagem arrasadora, enfrentaram as tropas portuguesas. Após 5 horas de intenso combate, as tropas locais contavam entre suas perdas 700 homens, entre mortos, feridos e prisioneiros de guerra. Do lado português, as perdas não chegaram a uma centena, porém haviam perdido boa parte da bagagem de guerra; o separatistas desviaram importantes equipamentos de guerra das tropas portuguesas.
Entretanto, a vitória lusitana era incontestável, ganharam uma batalha, mas a guerra estava longe de terminar, pois a ausência de recursos bélicos e a possibilidade de enfrentamento de outras batalhas, com a chegada de reforços de outras vilas e províncias, fez com que Fidié e suas tropas se deslocassem, em abril de 1823, para o Maranhão, província leal a Portugal. Porém, após o cerco de Caxias, pelas tropas separatistas, formadas por piauienses, cearenses e maranhenses, as tropas de Fidié se renderam, no final de julho de 1824.
Portanto, foi neste contexto que se deu o real processo emancipacionista e a adesão do Piauí ao governo do império do Brasil, caracterizado por diversas lutas sanguinárias, com a participação popular, porém, a maioria da população não se beneficiou de seus resultados, pois uma oligarquia assumiu o projeto de consolidação do estado brasileiro em detrimento das transformações mais profundas dessa sociedade.
Edição: Jornal da Parnaíba
Com informações da Uol e Band
Nenhum comentário:
Postar um comentário