quinta-feira, agosto 26, 2010

Mandu Ladino: A revolta de 1712

A pecuária desempenhou papel importante na economia colonial, pois além da carne utilizada na alimentação humana, os bovinos também forneciam o couro aproveitado de diversas maneiras, além de servirem como meio de transporte nas zonas mineradoras. Mas uma carta régia de 1701 proibiu a criação do gado numa faixa de 10 léguas a partir do litoral, já que as extensas áreas destinadas à pastagem seriam mais lucrativas se utilizadas na cultura de cana, matéria-prima na produção açucareira.

Diante dessa proibição não restou aos criadores outro recurso senão a abertura de espaços no sertão, próximos a rios e riachos, onde seus rebanhos pudessem ser colocados. Mas como esses homens não respeitavam as regiões ocupadas pelos indígenas, muitos conflitos começaram a surgir entre portugueses e índios, porque como estes consideravam os animais empastados em suas terras como presas fáceis e proveitosas, passaram a abatê-los sem qualquer cerimônia. Diante dessa situação os vaqueiros reagiram, e nos confrontos que se seguiram os nativos invariavelmente levaram a pior.

A partir de 1630, quando os holandeses ocuparam Olinda, em Pernambuco, e depois dominaram o Nordeste, algumas tribos indígenas se aliaram aos portugueses, enquanto outras preferiram ficar ao lado dos holandeses. Mais adiante, em 1654, ano em que os flamengos foram expulsos da colônia, esses grupos firmaram um acordo de paz com os lusitanos, tratado que foi deixado de lado pouco depois de João Fernandes Vieira - um dos principais chefes militares nas lutas pela expulsão dos holandeses de Pernambuco, e governador da capitania da Paraíba de 1655 a 1657 -. ter prendido dois filhos do cacique da nação Jandui e os enviado para Lisboa. Foi depois desse incidente que os conflitos começaram.

Aos guerreiros Jandui (ilustração no alto) juntaram-se os de outras tribos indignadas com o fato de suas terras estarem sendo concedidas aos portugueses. Isso se tornou mais grave em 1693 e anos seguintes, período em que a descoberta das minas de ouro e diamantes em Minas Gerais redundou numa corrida de aventureiros de todos os tipos e vindos de muitos lugares, até mesmo do exterior, todos dispostos a fazer fortuna no novo Eldorado. Com isso as fazendas de gado se multiplicaram pelo interior, invadiram os férteis terrenos marginais do rio Parnaíba, no Piauí, provocando assim, e mais uma vez, a expulsão das nações indígenas.

Mandu Ladino - A revolta de 1712

Em 1712, no interior piauiense, a tensão entre brancos e índios atingiu o seu ponto máximo quando estes últimos não mais suportaram a crueldade do fazendeiro Antônio da Silva Couto, e por isso invadiram sua propriedade e o mataram. A repercussão dessa atitude se espalhou rapidamente pelo restante da província, logo chegando ao Maranhão e Ceará

Nesse meio-tempo um pequeno índio da tribo Arani, órfão de pai e mãe aos doze anos de idade, e que fora recolhido ao aldeamento cariri do Boqueirão, a 70 léguas de Recife, para estudar e ser cristianizado pelos religiosos da Ordem dos Capuchinhos, não escondia o seu ódio aos brancos que lhe haviam exterminado a família, sentimento que se tornou ainda maior quando viu os mestres que o educavam queimarem os ídolos, as vestimentas e outros objetos de adoração do seu povo. Por isso fugiu do aldeamento e juntou-se a um grupo de cariris que buscava o vale do Longá, no Piauí, mas no caminho foi preso e vendido como escravo para um criador de gado, de quem acabou conquistando a confiança. Transformado em condutor de boiadas conheceu várias tribos da região, até que em uma das viagens que fazia regularmente, no ano de 1712, revoltou-se ao presenciar a morte de uma índia por soldados portugueses. Inconformado, reuniu vários índios, retornou ao local e matou toda a guarnição militar.

Esse foi o ponto de partida para uma guerra que se estendeu por seis anos. Motivados pelo sentimento de ódio que nutriam contra os colonizadores que os massacravam, os índios Tremembés, Potis, Aranis, Cariris, Crateús e outras tribos do Piauí, Ceará e Maranhão, uniram-se sob a liderança de Mandu Ladino e formaram uma grande frente de rebelados cujo único objetivo era a expulsão dos intrusos que haviam invadido suas terras e nelas se estabelecido. Agindo do Baixo Parnaíba ao extremo Sul do Maranhão e Ceará, eles levaram o pânico aos que moravam nessa vasta região, saqueando fazendas, sacrificando animais, massacrando pessoas, queimando casas e plantações, mas, sobretudo, se apoderando das armas e munição que encontravam nesses lugares. Foi assim que formaram o grande arsenal que lhes permitiu enfrentar os sertanistas sem qualquer temor, praticamente de igual para igual. Durante todo esse período os índios causaram enormes prejuízos à economia regional, transformando-se, inclusive, em grave ameaça para a estabilidade política nas províncias envolvidas, cujas autoridades se uniram para combater as forças indígenas.

Com sua cabeça posta a prêmio, Mandu Ladino continuou infernizando a vida dos proprietários rurais da área onde atuava. Até que em 1717, no lugar denominado Porto das Barcas, situado às margens do rio Igaraçu, braço do rio Parnaíba, os indígenas encontraram pela frente as tropas legais comandadas por Manoel de Carvalho. Os registros sobre essa passagem esclarecem que a luta, cruenta, durou um bom tempo, até que os índios pouco a pouco foram sendo dominados. Pressentindo o que estava para acontecer, Mandu Ladino tentou escapar atirando-se nas águas do rio, certamente pretendendo atravessá-lo a nado. E como era um exímio nadador teria conseguido chegar facilmente à outra margem caso o soldado João Peres não tivesse disparado contra ele um único tiro. Que provavelmente o atingiu em lugar mortal, porque o líder da rebelião afundou e desapareceu, dele não se tendo mais notícia.

Pelo feito, João Peres foi homenageado pelo governo central, embora a história tenha registrado apenas o seu nome, e mais nada. [Existe no Marnhão um povoado com o nome de João Peres em sua homenagem e fica no município de Araioses] Mandu Ladino, por sua vez, não foi incluído entre os piauienses de renome, embora muitos o considerem um mito. Quanto aos índios que o tinham como esperança de um futuro melhor, foram combatidos até o seu extermínio total.

Edição: Jornal da Parnaíba
Artigo feito por: Fernando Kitzinger Dannemann

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