Prof.
Dr. Geraldo Filho (UFDPar – 28/05/2020)
No
ocaso de Mao, consumido pela doença que lhe tirou a voz e debilitou os
movimentos, Chou En-Lai e Deng Xiaoping começaram a arquitetar mudanças que
contrastavam as políticas dele, orientando a China para outra direção!
Consciente
da situação de subdesenvolvimento econômico e fragilidade militar na qual a
China se encontrava, desde o século XIX, quando o império se fechou para a
revolução industrial que se espalhava a partir da Inglaterra, Chou En-Lai
traçou o caminho estratégico para consolidar a soberania e a independência da
China após 1949, priorizando a adaptação pragmática a cada contexto geopolítico
que se configurasse – seja na sua proximidade regional geográfica seja no
mundo, dominado então por duas superpotências, Estados Unidos e União Soviética
– deixando em segundo plano a ideologia radical de esquerda simbolizada por
Mao, retrógrada em termos de desenvolvimento. Três momentos decisivos ilustram
o percurso estratégico imaginado por Chou que culminou na China do século XXI.
Necessitando
de apoio militar logo após a Revolução em 1949 a China se aliou a URSS,
causando pânico no mundo da década de 50, com o pacto entre os dois gigantes
comunistas. O primeiro com um ativo militar precioso e sem temor de usá-lo, a
população (600 milhões há época); o segundo com um exército formidável e
poderio nuclear.
Nos
anos 60, a China começou a se afastar da URSS ao perceber que se posicionaria
melhor no xadrez geopolítico da Guerra Fria se mantivesse equidistância
relativa das duas superpotências rivais, buscando neutralizar qualquer risco de
conflito na sua vizinhança, sobretudo na extensa fronteira com a URSS, sempre
uma ameaça potencial de invasão, como acontecera no passado imperial (século
XIX), quando o império czarista arrancou nacos generosos do território chinês.
Finalmente,
nos anos 70, observando o fracasso econômico das economias dos países
socialistas/comunistas, Chou preparou a aproximação definitiva com o mundo
ocidental – ao abandonar sem constrangimento a retórica esquerdista que tanto
fez sucesso entre os países subdesenvolvidos na década anterior – tecendo
acordos políticos e econômicos com os Estados Unidos e com o grande aliado
americano no oriente, o Japão, isolando assim a União Soviética. Começava a se
desenhar o cenário para a grande virada que ocorreu depois de 1976.
Chou,
que era apontado como o sucessor natural de Mao, morreu poucos meses antes
dele, em 1976, mas teve tempo de elaborar a estratégia de desenvolvimento
econômico e social conhecida como “As Quatro Grandes Modernizações”, que foi
encampada e executada pelo outro excepcionalmente competente mandarim Deng
Xiaoping, ao ascender ao comando da China, após aniquilar com rapidez a ala
radical seguidora de Mao liderada pela viúva Jiang Qing (o Bando dos Quatro) a
encarcerando e acabando em definitivo com a malfadada Revolução Cultural sob
sua orientação.
O
plano consistia em modernizar a agricultura, a indústria, ciência e tecnologia
e as forças armadas. Com carência de recursos financeiros porém contando com a
população, não mais como um ativo militar mas sim como um enorme mercado de
trabalho a baixo custo (nada de leis trabalhistas ou previdência pública
universais) e de consumo, a economia progressivamente se abriu para as empresas
estrangeiras e os investimentos capitalistas. Ao tempo em que o governo enviou
milhares de jovens para as melhores universidades ocidentais, com foco em
desenvolvimento científico e tecnológico, preparando as gerações que
conduziriam os destinos do país nas décadas seguintes, o transformando de uma sociedade
agrária numa potência produtora de tecnologia de ponta em todos os setores (as
universidades chinesas não ensinam mais teoria marxista para os estudantes,
como no Brasil!), promovendo o reencontro da China moderna com o glorioso
passado imperial, cujo destino manifesto, relembro, inerente ao “Mandato
Celestial” outorgado ao imperador, era governar o mundo!
Duas
frases são reveladoras do pensamento estratégico de Deng na condução da China
pós Mao, que deixam transparecer o pragmatismo para perseguir objetivos! A fim
de justificar as modernizações inspiradas por Chou En-Lai, que implicaram na
introdução de reformas capitalistas na economia como um todo – acabando com a
coletivização e estatização do campo e estimulando “joint ventures” (parcerias)
com empresas ocidentais que quisessem se estabelecer no país atrás de um imenso
mercado de trabalho barato, ávido por consumir (um sacrilégio para Mao!) – Deng
afirmou: “Enriquecer é glorioso!”
Contra
aqueles que opuseram resistência às reformas modernizadoras, com a acusação de
“revisionismo, traidor dos princípios comunistas” representados por Mao, Deng
Xiaoping, com argumentação pragmática que ficou famosa em defesa da abertura da
economia para o mercado, proferiu a frase: “Para caçar o rato (a necessidade e
a fome do povo chinês) não interessa a cor do gato (se comunista ou
capitalista), o que importa é que ele cace o rato (seja eficiente e eficaz)!”
Sobre
os escombros dos loucos anos comunistas de Mao, Chou En-Lai e Deng Xiaoping
construíram a China como se conhece hoje. O Partido Comunista da China mantém
esse nome porque foi com ele que se organizou a estrutura de poder
governamental que conduziu em poucas décadas uma sociedade com população atual
de 1,4 bilhões de indivíduos ao sucesso. Para o pragmatismo chinês o rótulo
pouco importa! É parecido com o turista que vai ao México e compra a imagem de
Nossa Senhora de Guadalupe, vendida com reverência como artesanato local,
quando na verdade foi produzida em escala na China mas... e daí?... o que interessa
ao artesão foi que ele vendeu e ficou feliz e o que importa para o turista é
que ele vai voltar para casa satisfeito com uma lembrança da viagem!
Esta
estrutura de poder governamental é uma ditadura?! Utilizado os conceitos sobre
formas de governo que remontam no mundo ocidental à Grécia Clássica e aos
escritos de Platão e Aristóteles, que forjaram a sociologia política que se
conhece, sim, é uma ditadura! Porém, com características singulares e que para
compreendê-la é necessário mais uma vez considerar o contexto da história
chinesa e do ocidente.
Em
geral ditaduras seculares são personalistas, girando em torno de um líder,
semeando em regra grande instabilidade quando ocorrem as sucessões, favorecendo
que sejam feitas no âmbito da família (podendo gerar dinastias) ou entre os
auxiliares próximos ao ditador (insuflando conflitos e traições). No entanto, a
estrutura de governo chinesa é uma ditadura secular legitimada por milênios de
imperadores absolutistas consagrados pelo “Mandato Celestial”, que na prática
nada mais era do que um ditador, cercado por uma excelente casta de burocratas
profissionais (mandarins), admitidos em concursos públicos …
Um comentário:
Meu Professor, simplesmente, o melhor.
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