Em nova coluna de lifestyle, Rosa Moraes apresenta a história do chef
que trocou os restaurantes estrelados e culinária tradicionalmente francesa
pela cozinha e alimentos naturais do Nordeste brasileiro.
 |
O chef Hervé Witmeur e a colunista de lifestyle Rosa Moraes no restaurante Éllo em Jericoacoara — Foto: Arquivo pessoal |
Foi tudo na aventura, com uma pitadinha de loucura. É assim que o
belga Hervé Witmeur (@hervewitmeur), chef e proprietário do La
Cozinha (@lacozinha), na praia da Barra Grande, Piauí, e do Éllo
Restaurante (@ellorestaurante), na praia de Jericoacoara, no Ceará, começa
a contar a história de como acabou fincando raízes no Brasil. Nascido e criado
em Bruxelas, capital de seu país natal, Hervé dificilmente fugiria de seu
destino - ele cresceu na cozinha do restaurante do pai, cursou gastronomia na
faculdade e trabalhou em restaurantes premiados como L’Ecailler du Palais
Royal, San Sablon e Café Bizon. Mal sabia ele, no entanto, que esse destino não
estava escrito nas estrelas Michelin da Bélgica, mas sim nas areias
distantes do nordeste brasileiro.
Foi doze anos atrás, quando o chef veio fazer kitesurf no
litoral do Piauí recém-casado com a educadora Marie, que o cupido mirou sua
flecha, certeiro: os dois se apaixonaram pelo lugar e até ensaiaram uma volta à
Bélgica, mas a paixão falou mais alto. Decidiram ficar. Abriram o La Cozinha um
ano depois, em 2012, e Hervé fala que, apesar de toda a técnica que trazia na
bagagem, com uma experiência fundamentalmente pautada na tradição francesa, foi
no Piauí que ele (re)aprendeu a cozinhar.
 |
Produção de kombucha na fazenda La Reserva - para uso nos restaurantes — Foto: Chico Rasta / Divulgação
|
É que no começo ele teimou - queria fazer o que já sabia, com
ingredientes que trazia de seu repertório europeu. Aí aos poucos, viajando
terra adentro e conhecendo pequenos produtores e a biodiversidade local, foi
entendendo que na tropicália de Parnaíba, município piauiense onde fica Barra
Grande, não iria preparar salmão nem foie gras. Piauí é terra de
paçoca de carne de sol, de capote e bode assado; Piauí é terra de sarapatel,
caranguejo e doce de caju. E então o cupido aprontou das suas mais uma vez,
porque Hervé não só se reinventou como chef, como virou um profundo conhecedor
dos nossos ingredientes nativos - e cravou os dedos fundo na terra, plantando
tudo aquilo que leva ao prato, em uma cozinha absolutamente natural, fresca,
orgânica e pra lá de original.
Hoje o chef se divide entre o La Cozinha, que ganhou seis bangalôs,
tornando-se também hospedagem, e o Éllo - o primeiro mais despretensioso, o
segundo focado em alta gastronomia, mas ambos puramente autorais. Para
abastecer as duas casas, ele e Marie cultivam uma área de 14 hectares de terra
nos Tabuleiros Litorâneos, em Parnaíba. La Reserva (@lareserva.fazenda), como
batizaram a fazenda, é lugar de práticas que integram agroecologia e
permacultura, de onde saem frutas, vegetais, verduras e superalimentos que
suprem tanto os dois endereços do casal como outros restaurantes da região. O
excedente da produção é comercializado no vilarejo de Barra Grande, ajudando a
difundir a importância do consumo de alimentos sem agrotóxicos em uma região
carente do abastecimento de produtos agrícolas de qualidade.
Familia Witmeur: Hervé, Marie e as crianças — Foto: Divulgação /
Arquivo pessoal
À mesa de Hervé, peixes e frutos do mar fresquíssimos chegam para
compor uma comida elegante, alegre e colorida que virou marca registrada do
belga mais nordestino que o mundo há de conhecer. Tudo intriga e mexe
com os sentidos, da acerola com coco, moringa e flores de bananeira ao dashi de
tucupi com sardinha da praia de bitupita, passando pelos mini-hambúrgueres
caseiros no ponto perfeito, com maionese de camarão e cúrcuma. E claro que as
técnicas e preparos do berço europeu se fazem presentes, mas de um jeito muito
fora da curva, embebidas de Piauí. É o caso da bouillabaisse do Nordeste,
que ganha uma delicada emulsão de coentro (ingrediente que arrebatou o coração
do chef desde o primeiro dia), e do consommé de galinha com picles de marisco,
algas e erva doce.
 |
Tacos de macaxeira, coco, moringa e flores de bananeira — Foto: Chico Rasta / Divulgação |
Por curiosidade, pesquisei o significado do nome Hervé na internet.
Segundo o site do jornal francês Le Figaro, ele vem da junção de duas
palavras celtas - her e ber -, que querem dizer “forte” e
“ardente”, respectivamente. Já Marie, de origem hebraica, significa “senhora
soberana” ou “aquela que ama”. Para quem acredita um tiquinho que seja em
destino (ou simplesmente em como o universo sempre dá um jeito de promover os
bons encontros da vida), essa certamente foi uma combinação de força, coragem,
paixão e determinação entre um chef e uma educadora que aqui encontraram seu
Éden para construir uma vida feliz. Sorte a nossa, que ganhamos de presente
essa cozinha tão ímpar, saborosa e bem arquitetada, em um dos lugares
mais bonitos do país.
La Cozinha: Avenida Souzinha, 548, Centro, Cajueiro da Praia,
Piauí. @lacozinha
Éllo Restaurante: Rua São Francisco, Jijoca de Jericoacoara, Ceará. @ellorestaurante
Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Vogue
Brasil
Por Rosa Moraes | vogue.globo.com