terça-feira, junho 04, 2019

Árbitra é agredida durante jogo na UFPI campus de Parnaíba (PI)

O soco que não derrubou Eliete: árbitra é agredida durante jogo na Universidade Federal de Parnaíba, Campus Ministro Reis Velloso,  em Parnaíba (PI) e repercute nacionalmente.
Socar uma mulher é tentar esmagar sua autonomia, sua voz e sua confiança. A árbitra Eliete Maria Fontenele, de 42 anos, sofreu violência porque não se curvou. Ela caiu, mas não quebrou. Eliete é pequena e anda com agilidade em meio a homens exaltados. Como árbitra, seu papel é ser firme e justa. No meio de uma briga na noite desta segunda-feira, 03, em uma quadra de esportes no campus da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar) antiga Universidade Federal do Piauí em Parnaíba, distante 330 Km de Teresina, Eliete levanta o cartão vermelho para Rodrigo Quixaba e apita. Em seguida, o soco: duas vezes seguidas, forte, sangue, escuro, chão. Ela cai.

Os celulares, que filmavam tudo nas mãos dos donos eufóricos com o embate masculino que se desenrolava segundos antes, agora tremem e filmam o chão. O acusado é aluno e atual presidente do Centro Acadêmico de Engenharia de Pesca. Ele foge, confirmando o que se espera de uma atitude que só pode ser classificada como covarde.

Veja o vídeo abaixo:

Parece inacreditável – seja pela visibilidade da ousadia do agressor, seja porque acompanhamos em público o que acontece repetidas vezes no privado: homens contrariados usam da força física para intimidar, ameaçar e machucar mulheres. Não sabendo lidar com a força moral de Eliete, ele foi lá e tentou derrubá-la. Mal sabe ele que ela só caiu fisicamente, metaforicamente está de pé e é uma gigante, porque covardes podem agredir, mas não conseguem minar a garra que brota de uma mulher. Quantos socos, reais ou metafóricos, se colocam entre nós e nossos objetivos? Inúmeras pedras a serem desviadas não serão impedimento para as realizações que nos propomos. 

Soco é tentativa de esmagar a confiança da mulher
Rodrigo Quixaba, acusado de agredir
Eliete (Foto: Reprodução)
Como diz Rebeca Solnit, autora do livro “A mãe de todas as perguntas”: “O fato de muitos homens acreditarem que têm o direito e a necessidade de controlar as mulheres, pela violência ou por qualquer outro meio, revela muito sobre os sistemas de crença que adotam e sobre a cultura que vivemos”. Violência é uma questão de poder, ou seja, é fruto do desejo de controle das ações do outro. Quando não há equilíbrio emocional para lidar com frustrações, aceitar a autonomia alheia e receber um "não" de cabeça erguida, apela-se para o chute, o soco, o grito e o tiro.

Reação contra mensagens machistas em grupos de Whatsapp
Em grupos de Whatsapp, mensagens do tipo: “Mas também, as mulheres andam de short curto em quadra de futsal”, ou “Quem mandou colocar uma mulher para ser juíza”, revelam que a cultura do estupro segue operando na mesma lógica histórica: transfere a culpa do agressor para a vítima e tenta punir socialmente aquelas mulheres que ousam elevar a voz, frequentar espaços masculinos e romper estereótipos de gênero.

Um fato curioso: nos grupos em que essas mensagens de teor machista circularam, homens e mulheres trataram os casos com aversão e os autores dos conteúdos reprováveis foram expostos e expulsos dos espaços de convivência coletiva virtual. A situação nos revela a coexistência de dois universos distintos. Assim como há ações que tentam justificar atitudes criminosas, há também a reação em não permitir que a situação da agressão seja constrangedora para a vítima e sim para o agressor.

Campeonato cancelado e repúdio da UFPI
O campeonato que se realizava, suposto motivo de tanta violência, foi cancelado. O diretório acadêmico da Ufpi de Parnaíba, divulgou nota de repúdio solidarizando-se com a juíza de futsal Eliete. “Não deixemos que calem nossa voz, que tirem as nossas vidas. Somos todas Elietes, Brunas, Júlias, Marias da Penha, e tantas outras que perderam suas vidas para o machismo”, diz trecho da nota do diretório, que entrará com um processo no setor protocolo da universidade para solicitar a direção que tome as medidas cabíveis.

Eliete mostra agressão após soco no rosto
(Foto: Reprodução Whatsapp)
A Universidade Federal do Piauí divulgou nota de repúdio sobre o ocorrido. "Os processos de sindicância oficiais serão iniciados imediatamente para que sejam tomadas as providências legais. Será nomeada uma comissão para apuração administrativa, cooperando com os demais órgãos, também acionados, para elucidação do caso, seguindo os ritos da lei e os regramentos institucionais", diz a nota da Ufpi. No perfil da instituição no Instagram há centenas de comentários pedindo a expulsão do acusado. 

Leia a nota da UFPI na íntegra:
"A Direção do Campus Ministro Reis Velloso vem, por meio desta nota, tornar público o REPUDIO de toda e qualquer ameaça ou agressão ocorrida nas dependências do Campus. Recentemente tivemos dois episódios lamentáveis, um de agressão durante atividades esportivas concordadas aos alunos e um outro episódio de ameaça à família de um professor do campus. Em ambos os casos serão aplicadas as normas regimentais assim como o Campus contribuirá com os órgãos de segurança e os procedimentos legais adotados em cada caso. Os processos de sindicância oficiais serão iniciados imediatamente para que sejam tomadas as providências legais. Será nomeada uma comissão para apuração administrativa, cooperando com os demais órgãos, também acionados, para elucidação do caso, seguindo os ritos da lei e os regramentos institucionais.  Sobre o ocorrido durante um evento esportivo entre estudantes nesta segunda-feira, esta Direção vem a público informar que, a partir de então, estão proibidas todas as atividades na quadra esportiva do Campus até a apuração do referido caso. Desta forma, a Direção reitera seu compromisso com a integridade e o respeito entre os agentes da comunidade acadêmica e comunidade externa, norteando-se sempre pelos aspectos normativos desta Instituição de Ensino Superior, ao tempo que se solidariza com as vítimas e enseja o movimento contra todo tipo de violência. Manteremos a comunidade informada dos desdobramentos legais, dando toda transparência a investigação para os dois casos citados".

Repercussão: Apresentadora Maísa compartilha vídeo
A apresentadora do SBT, Maísa Silva, compartilhou durante a noite de segunda-feira, 03, o vídeo do caso em seu perfil no Twitter: "Não acredito! Aonde vamos parar? Eu espero que esse cara pague muito. Que absurdo!", escreveu Maísa, junto ao vídeo com a cena de Eliete sendo socada pelo agressor.

Como denunciar violência contra a mulher
A agressão sofrida pela árbitra não é atípica e sim a ponta do iceberg de violências que se agravam, especialmente em contextos domésticos. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do Piauí, entre janeiro a abril deste ano nove crimes tipificados como feminicídio no Piauí. Com a Lei do Feminicídio, aprova em 2015, matar uma mulher pela sua condição de mulher, passou a ser um agravante do crime de homicídio. A mudança aumenta a pena de um terço até a metade. Para definir a motivação, considera-se que o crime deve envolver violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

A denúncia de violência doméstica pode ser feita em qualquer delegacia, com o registro de um boletim de ocorrência, ou pela Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), serviço da Secretaria de Políticas para as Mulheres. A denúncia é anônima e gratuita, disponível 24 horas, em todo o país. Além das delegacias, em caso de violência as denúncias podem ser realizadas no Piauí pelo aplicativo Salve Maria, disponível para download em lojas de aplicativos para telefones celulares. 

Por Sávia Barreto/MN | Edição: Jornal da Parnaíba

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