As traficâncias no Porto: 180 divulga novos e
assombrosos trechos sobre as irregularidades que desviaram milhões do Porto
ESTREMECE PIAUÍ
- “Que a obra do Porto de Luís Correia era tratada
como a mais importante do estado do Piauí nesse período, razão pela qual havia
grande pressão sobre todos os envolvidos para que não permitissem qualquer
paralisação, uma vez que isso poderia gerar ônus político irreversível” - o
Palácio de Karnak exigia que ela seguisse de qualquer forma.
- “Que algumas reuniões aconteceram no próprio
Palácio de Karnak, com a participação do governador Wilson Martins” – Ele
foi avisado das irregularidades existentes no Porto.
- O ex-governador Wilson Martins não figura como
réu nessa ação penal que tramita na Justiça Federal.
À MATÉRIA
A maior obra do estado do Piauí, uma histórica, é o
eterno Porto de Luís Correia. Ponto final. Porque ao ser retomada, em 2008, ela
já começou completamente irregular, com suspeitas de pagamentos para além dos
preços normais – o chamado superfaturamento, e o rateio de dinheiro público
desviado com regras claras para essa divisão, estabelecidas e repetidas dentro
da Secretaria Estadual de Transportes por secretários que ocuparam a pasta,
segundo o Ministério Público Federal. Hoje a denúncia, que se tornou ação penal
e tramita na Justiça Federal, tem 12 réus, mas até agora ninguém sabe para qual
autoridade iriam os 5% dos supostos 8% desviados das parcelas pagas ao
consórcio responsável pela obra. Um por cento seria para os secretários de
estado, outros 2% para os funcionários da pasta, mas e os 5% restantes?
Cerca de R$ 5 milhões teriam sido desviados das obras do Porto
E num estado que sobrevive da mediocridade de seus
notáveis homens públicos - muitos corruptos - e da mendicância junto à
Esplanada dos Ministérios em Brasília, se constatar que os gestores que
deveriam zelar pelo seu crescimento, atraindo emprego e desenvolvimento de
verdade, eram os mesmos que, à frente da administração pública, são acusados de
pesadas traficâncias - como o prejuízo de cerca de R$ 5 milhões nas obras do
porto, segundo a PF e o MPF -, só contribui para a ideia de que passou da hora
de repensar o Piauí. E o rombo só não foi maior porque o roubo ocorria de forma
primária e foi descoberto bem no início. Além de quê, contou com a ajuda de um
delator que resolveu contar detalhes minuciosos, diante das constatações das
autoridades.
O PALÁCIO DE
KARNAK SABIA
Ao todo foram dois depoimentos prestados pelo
engenheiro-civil da Secretaria Estadual de Transportes Anderson Castelo Branco
Lopes, responsável pelas medições do porto, e tomados, segundo a legislação,
como delação premiada. Trechos desses depoimentos já foram divulgados nas
amplas matérias sobre o caso publicadas pelo180 [ver links abaixo]. Outros
trechos, a cereja do bolo, segue agora, na íntegra - com relatos exclusivos - e
evidencia que a retomada das obras do Porto foi recheada com os mais diversos
vícios, tocados longe dos olhos de todos os contribuintes.
E esses vícios, segundo o mesmo delator, eram de
conhecimento de pelo menos um dos governadores da época, Wilson Martins (PSB).
“Que algumas dessas reuniões aconteceram no próprio Palácio de Karnak, com a
participação do governador Wilson Martins, que insistia que a situação deveria
ser regularizada para evitar a suspensão das obras”, diz o engenheiro, ao se
referir às inúmeras das muitas irregularidades.
Isso porque, segundo o mesmo engenheiro, “a obra do
Porto de Luís Correia era tratada como a mais importante do estado do Piauí
nesse período, razão pela qual havia grande pressão sobre todos os envolvidos
para que não permitissem qualquer paralisação, uma vez que isso poderia gerar
ônus político irreversível”. Ou seja, a orientação era seguir com a obra a
qualquer custo para não prejudicar a imagem do gestor-mor.
O processo, com seus volumes...
Prédio da Justiça Federal em Parnaíba, onde tramita um histórico caso |
PORTO: BOLETINS FORJADOS PARA ASSEGURAR RECURSOS
Não à toa, segundo a delação de posse do 180,
“esses boletins de medição na verdade foram forjados para viabilizar outros
pagamentos durante as obras do Porto de Luís Correia; Que em razão de falhas e
impropriedades geradas a partir do projeto básico, elaborado apenas para
assegurar recursos da União, sem critérios técnicos, não houve previsão de
recursos para execução de serviços indispensáveis à construção do porto; Que
por exemplo, não havia recursos para a cravação das estacas da forma e na
quantidade necessários, mas teve que executar a cravação das estacas de
qualquer maneira, caso contrário haveria a paralisação das obras”. Fato
impensável.
Ainda “que por estes serviços adicionais, sem
previsão, ou com previsão inadequada no projeto básico, o Consórcio STAFF-PAULO
BRÍGIDO recebia os pagamentos normalmente; Que no entanto, para justificar as
despesas, nos boletins de medição eram registrados outros serviços ou materiais
diversos, que de fato não eram executados”. O que é pior: “Que esse
procedimento – de constar em boletins de medição serviços e obras sem execução,
para viabilizar pagamentos por serviços e obras adicionais, eram de pleno
conhecimento do Superintendente de obras, Marlus Fernando, e também dos
sucessivos Secretários de Estado de Transportes, sr. Luciano José Linard Paes
Landim, sr. Alexandre de Castro Nogueira, senhora Norma Sales”. Estes também
estão no rol de supostos beneficiados com a partilha de dinheiro público. É o
que se infere dos autos. E se algum deles não foi beneficiado com a pastilha
"justa" - como Alexandre Nogueira, um dos secretários, teria
classificado a divisão do dinheiro público, usarão do direito da defesa para se
safar durante o trâmite do processo no âmbito da Justiça Federal.
Agora, até as pedras sabem o que aconteceu...
UMA LICENÇA AMBIENTAL SUSPEITA FOI CONCEDIDA
Narrou ainda o delator às autoridades federais,
“que no ano de 2009 recebeu a licença ambiental referente às obras do Porto de
Luís Correia/PI; Que recebeu esse documento sem ter conhecimento de qualquer
projeto ou estudo ambiental realizado previamente ao Contrato 59/2008, apesar
de ter trabalhado como engenheiro fiscal da obra; Que recebeu o licenciamento
ambiental do Superintendente de Obras Marlus Fernando, Que recorda que a
licença ambiental foi providenciada ainda na gestão de Luciano Paes Landim,
pois quem foi retirá-la diretamente na SEMAR foi seu assessor direto, sr. Lima;
Que dessa forma, já recebeu a licença ambiental pronta, e não teve a
oportunidade de acompanhar qualquer planejamento ou estudo de impacto ambiental
anteriores à emissão da licença; Que esse procedimento lhe causou estranheza,
uma vez que tem conhecimento de que todos os estudos de impacto ambiental devem
ser concluídos antes mesmo da assinatura dos convênios e contratos, como forma
de aferir a viabilidade ambiental do empreendimento”.
FUNCIONÁRIO DO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES É CITADO
Segundo o engenheiro delator, em seus relatos, ele
“recebeu orientações diretas de Wilson do Egito, funcionário do Ministério dos
Transportes, de Luciano Paes Landim e de Marlus Fernando que o pagamento pelo
licenciamento ambiental deveria ser feito ao engenheiro Heitor Gil Castelo
Branco, em nome do Consórcio STAFF-PAULO BRÍGIDO; Que o pagamento pelos
projetos de estudo de impacto ambiental (EIA-RIMA) seria feito em três parcelas
de aproximadamente R$ 560 mil”.
SUBCONTRATAÇÃO DA EMPRESA PARA REALIZAR O PROJETO
EXECUTIVO
Acrescenta a delação: “Que o item nº 4 da planilha
orçamentária do Projeto Básico apresentado pela empresa PETCON, anterior à
assinatura do contrato nº 59/2008, previa que a empresa contratada ficaria
responsável pela elaboração do projeto executivo da obra; Que após o certame
licitatório, o Consórcio STAFF-PAULO BRÍGIDO subcontratou a empresa Suporte
Consultoria e Projetos para elaborar o projeto executivo; Que nesse projeto
executivo, chamou à atenção do declarante a previsão do item cravação de
estacas de concreto na segunda etapa da obra, quando na verdade esse item não
fora inserido em sua totalidade na licitação referente ao contrato nº 59/2008”.
Também, “que na primeira etapa da obra foi licitado
um quantitativo de cravação de estacas absolutamente insuficiente para a
conclusão dos 200m do cais de concreto; Que isso foi uma falha do projeto
básico, que se refletiu no certame licitatório e no contrato nº 59/2008; Que o
declarante questionou aos sucessivos secretários de Transportes, ao
Superintendente Marlus Fernandes e ao sr. Wilson do Egito sobre a insuficiência
de quantitativos do item cravação de estacas, ao que todos autorizavam a
continuidade das obras, com a cravação de quantas estacas fossem efetivamente
necessárias, mediante alterações nos boletins de medição” para o repasse dos
valores ao consórcio responsável.
“UMA EMPRESA SÉRIA CONCLUIRIA PELA INVIABILIDADE DA
EXECUÇÃO”
Ainda perante as autoridades federais, afirmou o
engenheiro-fiscal “que não acredita que uma empresa séria, com conhecimento
técnico, analisando detidamente o projeto básico, concluiria pela inviabilidade
técnica da execução da obra, nos termos previstos nos projetos básicos e
executivos”.
ELE SABIA
Em uma das mais assombrosas declarações, o delator
reportou às autoridades que diante dessas constatações verificadas pelos órgão
de Controle Interno da Presidência da República, “houve uma reunião na SETRANS
para responder pontualmente a cada item de irregularidade; Que dessas reuniões
participaram a Secretária Norma Sales, o próprio declarante, [ainda] Luciano
Paes Landim, Alexandre de Castro Nogueira – [grafaram na delação Noronha]; Que
algumas dessas reuniões aconteceram no próprio Palácio de Karnak, com a
participação do governador Wilson Martins, que insistia que a situação deveria
ser regularizada para evitar a suspensão das obras".
Mas ali, o porto, ou melhor, o poço, já era mais fundo.
A SERIEDADE DE UMA DELAÇÃO
O 180 disponibiliza abaixo a íntegra de
documentos que narram com riqueza de detalhes a suposta sanha por assaltar
aquela que deveria ser a maior obra existente no pobre estado do Piauí.
Os depoimentos no âmbito da delação premiada foram
reconfirmados à Justiça Federal em uma audiência que teria durado cerca de 4
horas.
Os citados podem enviar esclarecimentos para jornalistaromulorocha@uol.com.br.
É válido lembrar que pela legislação brasileira,
alguém que se propõe a fazer acordo de delação premiada, de livre e espontânea
vontade, se compromete a narrar fatos verdadeiros e a apresentar provas para
facilitar as investigações, sob pena de perder os benefícios dessa colaboração
em caso de mentiras. Também se compromete a manter sigilo em torno do que é
dito, para não atrapalhar as incursões das autoridades, até que esse sigilo
seja levantado pelo juízo responsável, no caso o da Vara Única da Justiça
Federal em Parnaíba.
"Fica explicitado que esta proposição
condicionada inclui o eventual requerimento, pelo Ministério Público Federal,
ao juízo competente, da redução de pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços)
ou do perdão judicial, nas ações penais que vierem a ser ajuizadas em relação a
responsabilidade pelos possíveis crimes oriundos da malversação de recursos
públicos federais na consecução da obra do Porto Marítimo de Luís Correia/PI,
além de medidas especiais de segurança e proteção da integridade do
colaborador/investigado, caso necessária", dita o item 2 do acordo de
delação feito com o MPF.
O juiz responsável pela ação penal é o magistrado
José Gutemberg de Barros Filho, que numa época em que o parâmetro é nada mais,
nada menos do que o também juiz federal Sérgio Moro, tem uma grande
responsabilidade. Até porque essa ação penal não deve ser vista como só mais um
caso, mas como o caso, o caso que põe em xeque não só a lisura de governos, não
só homens públicos de alta plumagem, mas que também põe em xeque uma obra das
proporções que é um porto marítimo para um estado pobre e roubado como o é o do
Piauí.
À íntegra de uma das delações premiadas sobre o
Porto...
Por Rômulo Rocha/180graus
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