Que aconteceu com o paraíso terrestre descrito por
Pero Vaz de Caminha (1-5-1500) bem como por Américo Vespúcio (1501)? O
primeiro, ao redigir a "certidão de nascimento" do Brasil (em 27
páginas), narrou um fabuloso conjunto de imagens que prontamente comoveu o
imaginário (bem como a voluptuosa ganância do) europeu do século XVI, que
prontamente se deslumbrou com a terra, os habitantes e as infinitas
possibilidades de exploração do novo paraíso (o Éden que muitos europeus
imaginavam existir, como fonte da eternidade e de riquezas), onde plantando (ou
parasitando) "tudo dá". O Brasil passou a ser evocado como o paraíso
perdido de Adão e Eva. Esse paraíso simbolizava (para o europeu quinhentista) o
ressurgimento de uma nova idade de ouro, marcada pela abundância, beleza,
juventude e eternidade. "Na fronteira de um tempo aberto a todo gênero e
evasões oníricas, a nostalgia do jardim do Éden ressurge, à vista de novas
terras de insuspeitável esplendor, nos textos dos navegantes e cronistas
ibéricos que demandam o Novo Mundo" (Resumo das Conferências, O
Brasil e o mito do Paraíso terreal - do Fórum Internacional de História e
Cultura no Sul da Bahia: os povos na formação do Brasil 500 anos. Dra. Ana
Cristina Araújo. Universidade de Coimbra. CICDB/UESC). Américo Vespúcio, no ano
seguinte ao achamento do Brasil, escreveu o seguinte: "Se
algures na terra existe o paraíso terrestre, não pode ele estar longe
daqui" (ver J. Klintowitz, A história do Brasil em 50 frases: 28).
Daquele paraíso imaginário e dócil pouca coisa
sobrou (porque suas águas, suas árvores, seus animais e seus bons ares foram ou
estão sendo destruídos impiedosamente). Paralelamente ao Brasil paradisíaco foi
se construindo outro, mais diabólico e infernal: o da plutocracia (governo
das grandes riquezas), dagenocidiocracia (governo regido pela violação
massiva dos direitos fundamentais e extermínio permanente de pessoas) e o
da cleptocracia (Estado cogovernado também por ladrões).
Da bucólica e quinhentista visão de Pero Vaz de
Caminha e de Vespúcio pouca coisa sobrou. Em todas as classes sociais, a
corrupção, a imoralidade e o vício se generalizaram nas entranhas do suposto
paraíso edênico, que ilusoriamente parecia acima do bem e do mal. Ao longo da
história, poucos apareceram na administração pública brasileira para propagar
os bons princípios. Não é fácil remar contra a maré sufocante. Sempre foi
ausente no nosso país (como já denunciava na primeira metade do século XIX J.
F. Lisboa, no Jornal de Timon), "uma voz e uma ação poderosa que
queiram fazer ouvir e sentir, porque existem sempre secretas e simpáticas harmonias
entre o homem de bem e de gênio que fala e obra, e a multidão que escuta e
vê". O grau de corrupção existente em um país depende de muitos fatores,
destacando-se, dentre eles, o da tolerância social (assim como das necessidades
básicas) da população. Nas democracias (ainda que de fachada, como a nossa,
porque extremamente ilegítima em razão do poder do dinheiro) é a população que
elege os destacados administradores públicos. Se das suas mãos sai a
ratificação dos políticos corruptos, tudo está amalgamado. Forma-se um corpo
único. Tudo começa com a convivência, depois vem a conivência até se alcançar a
corrupta-existência (profunda, generalizada), que infecta todo o tecido social.
Também no Brasil se implantou a cultura da corrupção (e da cleptocracia). E o
que é cultural não muda da noite para o dia.
Tudo se acha acurvado [desde sempre] ao peso do mal
[da tolerância, da conivência, da aceitação difusa]. Corruptores, corrompidos e
corruptíveis acham-se "presos uns pelos outros, e contaminados do mau exemplo,
da mesma forma que as pedras de uma abóbada comprimidas e arrimadas umas às
outras se sustêm reciprocamente" (J. F. Lisboa, citado). Haja, porém, uma
mão vigorosa que aplicando-lhes o ferro destruidor faça saltar duas ou três,
"e para logo desabará todo o edifício que na robustez da sua construção
parecia desafiar o tempo" (J. F. Lisboa).
É plausível a tese de que em um contexto social
especialmente anômico (ausência ou ineficácia das normas) a corrupção (e a
cleptocracia) encontre estímulos abundantes. Terreno fértil para o malfeito.
Pesca-se mais quando o rio está revolto. Usurpa-se mais do alheio quando o
ambiente de tolerância (e de necessidade) promove as condições para seu
crescimento. Nossa cultura favorece a corrupção (assim como a cleptocracia). A
ambiguidade ética está presente tanto nas elites dominantes como na população
em geral. Reina o relativismo moral (nada é inflexível, nem a ética). Os
políticos se autoproclamam corruptos (caixa 2 todo mundo faz!) e nada acontece.
A classe política está em crise de identidade, que só se suaviza quando ela
legisla (nesse momento ela se coloca ao lado dos bons, castigando os maus). O
princípio de autoridade (e exemplaridade) está se evaporando. Na cultura do
consumismo tudo é fluido, tudo é superficial, tudo é passageiro. Essa
inestabilidade atmosférica fez do Brasil um dos mais cobiçados paraísos da
corrupção e da cleptocracia.
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Edição do Jornal da Parnaíba
Por Luiz Flávio Gomes
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