A Justiça criminal (no mundo todo) normalmente não
funciona bem (menos de 2% dos crimes são apurados e julgados). Muitas vezes,
quando se põe em marcha, tropeça em nulidades. No final, pouquíssimos
criminosos são condenados. Desses, nem todos cumprem a pena imposta. Também as
grandes ladroagens do país quase nunca são investigadas. Muitas são
investigadas de forma irregular (daí as nulidades). O Brasil não é considerado
um paraíso da cleptocracia (assim como da genocidiocracia) por acaso. Uma das
mais agudas crises na organização social brasileira reside no império da lei
(ou seja: da lei que não impera). Não se trata, no entanto, de problema novo.
Os historiadores têm no Brasil um privilégio incomum: "Eles podem assistir
pessoalmente [em pleno século XXI] às cenas mais vivas do seu passado"
(Caio Prado Jr., Formação do Brasil contemporâneo: 11).
Nossa fraqueza institucional é sistêmica. Tanto
quantitativa como qualitativamente. A mentalidade inquisitiva (da Idade Média:
forma mentis inquisitória - veja Salo de Carvalho, Boletim IBCCRIM 262: 13)
constitui relevante fator promocional das nulidades processuais, porque não
seguem as formas estabelecidas nas leis (o devido processo legal). Foi o que
ocorreu no HC 115.714, de Sérgio Gomes da Silva (Sombra), acusado de ser o
mandante da morte de Celso Daniel (ex-prefeito de Santo André-PT), que ocorreu
em 2002. Haveria um sistema de propina na prefeitura, liderado por Sombra (que
teria deliberado matar o "amigo"). Mafialização à vista. A defesa foi
impedida de questionar (reperguntar) os corréus durante seus interrogatórios.
Direito previsto no art. 188 do CPP (tanto
o réu como o advogado pode questionar). No processo penal, a prova judicial é
válida somente quando observado o contraditório (isso é mandamento
constitucional). Se um réu X incrimina outra pessoa, não há dúvida que o
incriminado tem direito de fazer reperguntas (direito de questionar, de
discordar, de impugnar). Elementar direito. Não observado, há cerceamento de
defesa, ou seja, vício de forma (que gera nulidade do processo). O processo do
réu "Sombra" deve ser refeito (a partir dos interrogatórios). A
votação no STF (de 16/12/14) ficou empatada. O empate favorece a defesa. Não há
risco de prescrição porque o homicídio prescreve em vinte anos.
Caso Castelo de Areia. Outro caso de nulidade processual.
O problema: denúncias anônimas não podem servir de base exclusiva para que a
Justiça autorize a quebra de sigilo de dados de qualquer espécie. Depois das
denúncias, impõe-se uma prévia investigação. Com base nessa investigação pode
haver quebra de sigilos. Impossível o per saltum (da denúncia anônima não se
pode ir direto para as quebras de sigilos). Com esse fundamento, a 6ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça decidiu (em 5/4/11, HC 137.349) que todas as
provas obtidas na operação Castelo de Areia a partir da quebra generalizada do
sigilo de dados telefônicos são ilegais. A operação Castelo de Areia foi
deflagrada em março de 2009 para investigar crimes financeiros e desvio de
verbas públicas que envolviam diretores de empreiteiras (Camargo Corrêa) e
partidos políticos.
Por Luiz
Flávio Gomes
Edição do Jornal da Parnaíba
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