Peças feitas por domésticas fazem sucesso em vários
países da Europa. Arte é repassada há gerações pelas rendeiras de Ilha Grande, litoral do Piauí.
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Ex-primeira-dama Marisa Silva já usou peças produzidas pelas rendeiras do Piauí. |
A arte de trançar fios de algodão ou seda é
ensinada de mãe para filha há mais de três séculos no bairro Morros da Mariana,
na cidade de Ilha Grande, Litoral do Piauí. Mulheres de pescadores, donas
de casa e até matriarcas da família viram na renda uma oportunidade para
lucrar. Para fabricar as peças, as artesãs utilizam o bilro que é uma técnica
trazida pelos portugueses na era colonial. O sucesso do artesanato ultrapassou
fronteiras e atualmente é reconhecido nos principais eventos de moda do país e
do exterior, além de vestir famosos como atriz Cláudia Raia e a ex-primeira
dama Marisa Letícia, mulher do ex-presidente Lula.
A confecção delicada e complexa é reflexo da vida
tranquila na localidade, cujo nome se refere a rendeira Mariana Alexandro
Viana, uma das primeiras moradoras da região no século 17. A renda de bilro é
fonte de complemento orçamentário, de distração e elo entre as mulheres que
marcam a história do Nordeste e o Morros da Mariana.
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Cláudia Raia e Celulari compraram vestido
das
rendeiras para sua filha Sophia
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As rendas são feitas em cima de uma almofada
recheada com palha de carnaúba, onde é colocado um desenho que serve como molde
para o trançado dos bilros. Para fazer o bordado, as rendeiras utilizam pedaços
de madeira colados a um coco típico da região conhecido como 'tucum'. (veja
no vídeo acima)
Enquanto os maridos saem cedo para pescar, as
artesãs se dedicam aos afazeres domésticos e ao artesanato. Com paciência e
maestria, seguem fazendo a renda da mesma forma que outras muitas gerações de
mulheres de sua família já faziam, mas elas atualizaram essa arte acrescentando
os fios de seda a tradicional linha de algodão.
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Isa Maria apesar da idade continua com a técnica de trançar fios |
A aposentada Isa Maria da Luz, 78 anos, contou ter
aprendido o artesanato aos 10 anos e que na sua época era comum várias meninas
se reunirem na calçada para fazerem renda. "Nesse tempo é que tinha muita
produção. Quando chegava próximos aos festejos, as garotas faziam ainda mais
renda para juntar dinheiro e comprar um vestido de ir na festa", lembrou.
Apesar da idade, a artesã Isa Maria (foto ao loado, declarou continuar com a
técnica que lhe ajudou a criar sozinha os 10 filhos.
"Ainda hoje eu faço pelo costume de não ficar
parada. Trabalhei em colégio durante um tempo, mas foi a renda que sempre
esteve comigo. Fazia a noite com luz da lamparina, porque gostava de fazer e
precisava completar o dinheiro de casa", declarou Isa Maria.
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Socorro Reis e o estilista Valter Rodrigues no
São Paulo Fashion Week
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Outra que não larga mão do bordado é a empregada
doméstica Laura Maria da Costa Sousa, 58 anos. Ela começou a fazer renda aos 9
anos com sua mãe e, mesmo com outro emprego, reserva todo o horário da tarde
para o artesanato. "Não tenho muito tempo para fazer meus bordados, mas
quando consigo fico até a noite. Não sei viver sem minha renda, amo muito o que
eu faço", disse emocionada.
Reconhecimento
Somente em 1993 a arte do bilro ganhou força com a criação da Associação das Rendeiras do Morros da Mariana e a construção da Casa das Rendeiras que possui 120 integrantes. Para a presidente Socorro Reis, um local fixo para as artesãs possibilitou o trabalho em grupo e facilitou o acesso dos compradores, aumentando as vendas.
Somente em 1993 a arte do bilro ganhou força com a criação da Associação das Rendeiras do Morros da Mariana e a construção da Casa das Rendeiras que possui 120 integrantes. Para a presidente Socorro Reis, um local fixo para as artesãs possibilitou o trabalho em grupo e facilitou o acesso dos compradores, aumentando as vendas.
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Trabalho das rendeiras fizeram sucesso
no São Paulo
Fashion Week
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"Decidimos formar primeiro um grupo porque as
rendas do Morros da Mariana sempre foram bastante procuradas e os turistas
tinham dificuldade em encontrar as casas das rendeiras. Logo depois ganhamos do
governador da época a casa para ser sede da associação e desde o início várias
artesãs se registraram, atualmente somos 120 rendeiras", contou Socorro
Reis.
No grupo cada artesã tem o seu kit de trabalho com
almofada, bico e linha. O salário varia de acordo com a produção individual ou
em conjunto, onde as rendeiras só devem pagar a mensalidade de R$ 5 para a
manutenção da associação.
"Aqui nós expomos nosso trabalho e vendemos.
Às vezes, um vestido é feito por três pessoas ao mesmo tempo e o dinheiro é
dividido entre elas. É um trabalho lento e para quem gosta de verdade, pois não
é todo mundo que tem paciência. Outro dia uma senhora de 92 anos veio aqui
querendo fazer renda, eu entreguei o material para ela e tem feito bastante.
Ficou muita animada", explicou a presidente.
Outro fator importante no impulso dessa produção
foram as ações que inovaram o design das rendas e as introduziram no circuito
de moda. Ainda segundo Socorro Reis, antes o trabalho das rendeiras era fazer
apenas bico e renda em metro, com o tempo e melhoria na técnica começaram a
produzir vestidos de noiva, blusas e acessórios como mantas, colares e brincos.
"Nesse trabalho conhecemos muitas pessoas
importantes como o estilista Valter Rodrigues. Ele ficou sabendo do nosso
artesanato, veio fazer um trabalho conosco e nos convidou para participar do
São Paulo Fashion Week de 2001. Na época, fizemos muitas reportagens para
jornais importantes e ficamos mais conhecidas a partir daí", lembrou.
A presidente da associação disse também que o
estilista chegou a retornar ao Piauí depois do desfile, levou algumas peças das
rendeiras para São Paulo e através dele veio outros trabalhos para famosos como
o vestido de batizado da Sophia Raia Celulari, filha da Claudia Raia e Edson
Celulari, a roupa de posse da ex-primeira dama Marisa Letícia, de peças para
estilistas da Holanda e outros países da Europa.
Da redação do Jornal da Parnaíba
Por Catarina Costa/G1 PI, em Ilha Grande
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