Uma das provas de que nossas instituições estão
anquilosadas reside no fato de que o Brasil repatriou, até aqui, pouco mais de
1% do dinheiro dos cleptocratas "corruptos" que aqui conseguiram
fazer fortuna, se apropriando do alheio, levando (ou lavando) seus recursos
para bancos no exterior (bancos esses que fazem parte de toda a engrenagem da
corrupção mundial, na medida em que coloca no mercado financeiro legalizado,
dando aparência de licitude, aquilo que tem origem suja, criminosa). Os dados
são do delegado Ricardo Andrade Saadi, o diretor do Departamento de Recuperação
de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça,
que coloca em dúvida a capacidade de o Brasil recuperar o dinheiro desviado e
identificado na Operação Lava Jato no curto ou médio prazo (Estadão).
A "salvação [espiritual, como escreveu Padre
Antonio Vieira; da nação, dir-se-ia em termos profanos e político-sociais] não
será possível sem se perdoar o pecado e o pecado não pode ser perdoado sem que
se restitua o roubado". Que bom princípio seria (diante do escândalo da
Petrobras), se começássemos por fazer com que tudo que foi roubado do
patrimônio público fosse restituído pelos ladrões. Quem se enriquece
indevidamente (se apropriando de bens alheios) deve ser privado do próprio.
Concordo plenamente com o Papa Francisco quando disse que não basta
"aos políticos, empresários e religiosos corruptos pedir perdão; eles
devem 'devolver' à comunidade o que roubaram; os políticos corruptos, os
empresários corruptos, os sacerdotes corruptos prejudicam os mais pobres; são
os pobres que pagam as festas dos corruptos; são eles que pagam a conta".
E como pagam essa conta? Pagam, diz o papa, quando o dinheiro da corrupção faz
com que falte aos pobres, por exemplo, hospitais e escolas dignas. Poderia ser
mais claro (indaga o jornalista Juan Arias, do El País)?
Costumamos atribuir esses deploráveis vícios
somente à política e aos políticos, porém, verdade seja dita, da arena política
essas máculas saltaram também para as relações sociais (para a sociedade civil)
e empresariais. Na verdade, há aqui um canal de dupla via, porque muitas vezes
o desencadeador do malfeito é o particular ou a empresa, que acaba contagiando
o mundo político (formando com ele uma simbiose maligna). De qualquer modo, não
há como não reconhecer a singularidade cleptocrata do mundo político (feitas as
ressalvas devidas), posto que autor privilegiado do extravasamento exuberante
de todos os vícios citados, porque (ao longo da história) habituados à
falsificação de atas e de urnas, à fraude da lei, às artificiosidades das
chicanas judiciais, à traição dos amigos, à renegação dos princípios, ao
rebaixamento dos níveis mínimos das posturas éticas, ao aviltamento dos
costumes, resumindo toda a moral no triunfo e no bom êxito eleitoral, que se
transformou de meio em fim (veja Jornal de Timon, de João Francisco
Lisboa, p. 309-10).
Edição do Jornal da Parnaíba
Por Luiz Flávio Gomes
Nenhum comentário:
Postar um comentário