Parnaíba, a mais importante cidade do litoral
piauiense, com 145 mil habitantes, preserva até hoje um cajueiro plantado há
105 anos pelo escritor Humberto de Campos. A área onde fica a árvore, na Rua
Coronel José Narciso, foi tombada como patrimônio histórico municipal.
Humberto de Campos, maranhense da cidade de
Miritiba, hoje batizada com o seu nome, chegou a Parnaíba em 1906, plantando o
cajueiro logo em seguida. Três anos depois seguiu para São Luís e depois para
Belém e Rio de Janeiro.
Foi jornalista e um dos grandes escritores
brasileiros no final dos anos 20 e começo dos anos 30. Deixou obra extensa e
variada, incluindo crônicas e contos humorísticos, além de sonetos refinados,
que o tornaram um dos autores mais populares de sua época. O cajueiro por ele
plantado em Parnaíba, serviu de inspiração para o conto “Um amigo de infância”
(leia trecho abaixo), considerada como uma de suas grandes obras. Em 1920, foi
eleito para a cadeira 20 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Morreu aos 48
anos de idade, em 1934.
Residência de Humberto de Campos (Foto: Francisco
Leal)
A casa em que o poeta morou, na rua que tem o seu
nome, no Centro de Parnaíba, ainda mantém as caraterísticas da época. Embora
não seja uma casa de esquina, é avarandada e possui enormes janelas de madeira.
O quintal, pequeno, foi separado do cajueiro por um muro construído pela
prefeitura municipal, que adquiriu o acervo de Humberto de Campos.
Um amigo de
infância
[Trecho final do texto de Humberto de Campos]
"Aos treze anos da minha idade, e três da sua,
separamo-nos, o meu cajueiro e eu. Embarco para o Maranhão, e ele fica. Na
hora, porém, de deixar a casa, vou levar-lhe o meu adeus. Abraçando-me ao seu
tronco, aperto-o de encontro ao meu peito. A resina transparente e cheirosa
corre-lhe do caule ferido. Na ponta dos ramos mais altos abotoam os primeiros
cachos de flores miúdas e arroxeadas como pequeninas unhas de crianças com
frio.
- Adeus, meu cajueiro! Até à volta!
Ele não diz nada, e eu me vou embora.
Da esquina da rua, olho ainda, por cima da cerca, a sua folha mais alta, pequenino lenço verde agitado em despedida. E estou em S. Luís, homem-menino, lutando pela vida, erijando o corpo no trabalho bruto e fortalecendo a alma no sofrimento, quando recebo uma comprida lata de folha acompanhando uma carta de minha mãe: “Receberás com esta uma pequena lata de doce de caju, em calda. São os primeiros cajus do teu cajueiro. São deliciosos, e ele te manda lembranças…”
Da esquina da rua, olho ainda, por cima da cerca, a sua folha mais alta, pequenino lenço verde agitado em despedida. E estou em S. Luís, homem-menino, lutando pela vida, erijando o corpo no trabalho bruto e fortalecendo a alma no sofrimento, quando recebo uma comprida lata de folha acompanhando uma carta de minha mãe: “Receberás com esta uma pequena lata de doce de caju, em calda. São os primeiros cajus do teu cajueiro. São deliciosos, e ele te manda lembranças…”
Há, se bem me lembro, uns versos de Kipling, em que
o Oceano, o Vento e a Floresta palestram e blasfemam. E o mais desgraçado dos
três é a Floresta, porque, enquanto as ondas e as rajadas percorrem terras e
costas, ela, agrilhoada ao solo com as raízes das árvores, braceja, grita,
esgrime com os galhos furiosos, e não pode fugir, nem viajar… Recebendo a carta
de minha mãe, choro, sozinho. Choro, pela delicadeza da sua idéia. E choro,
sobretudo, com inveja do meu cajueiro. Por que não tivera eu, também, raízes
como ele, para me não afastar nunca, jamais, da terra em que eu, ignorando que
o era, havia sido feliz?
Volto, porém. O meu cajueiro estende, agora, os
braços, na ânsia cristã de dar sombra a tudo. A resina corre-lhe do tronco, mas
ele se embala, contente, à música dos mesmos ventos amigos. Os seus galhos mais
baixos formam cadeiras que oferece às crianças. Tem flores para os insetos
faiscantes e frutos de ouro pálido para as pipiras cinzentas. É um cajueiro
moço, e robusto. Está em toda a força e em toda a glória ingênua da sua
existência vegetal.
Um ano mais, e parto novamente. Outra despedida;
outro adeus mais surdo, e mais triste:
-Adeus, meu cajueiro!
O mundo toma-me nos seus braços titânicos,
arrepiados de espinhos. Diverte-se comigo como a filha do rei de Brobdingnag com
a fragilidade do capitão Guliver. O monstro maltrata-me, fere-me, tortura-me. E
eu, quase morto, regresso a Parnaíba, volto a ver minha casa, e a rever o meu
amigo.
- Meu cajueiro, aqui estou!
Mas ele não me conhece mais. Eu estou homem; ele
está velho. A enfermidade cava-me o rosto, altera-me a fisionomia, modifica-me
o tom da voz. Ele está imenso e escuro. Os seus galhos abraçam coqueiros,
afogam laranjeiras que noivam, ou ultrapassam a cerca e vão dar sombra, na rua,
às cabras cansadas, aos mendigos sem pouso, às galinhas sem dono… Quero
abraçá-lo, e já não posso. Em torno ao seu tronco fizeram um cercado estreito.
No cercado imundo, mergulhado na lama, ressona um porco… Ao perfume suave da
flor, ao cheiro agreste do fruto, sucederam, em baixo, a vasa e a podridão!
- Adeus, meu cajueiro!"
Obras - Assinando com seu próprio nome ou com os
pseudônimos, Humberto de Campos deixou as seguintes obras:
Além de Poeira, publicou:
Da seara de Booz - crônicas - 1918
Vale de Josaphat - contos - 1918
Tonel de Diógenes - contos - 1920
A serpente de bronze - contos - 1921
Mealheiro de Agripa - 1921
Carvalhos e roseiras - crítica - 1923
A bacia de Pilatos - contos - 1924
Pombos de Maomé - contos - 1925
Antologia dos humoristas galantes - 1926
Grãos de mostarda - contos - 1926
Alcova e salão - contos - 1927
O Brasil anedótico - anedotas - 1927
Antologia da Academia Brasileira de Letras - participação - 1928
O monstro e outros contos - 1932
Memórias 1886-1900 - 1933
Crítica (4 séries) - 1933, 1935, 1936
Os países - 1933
Poesias completas - reedição poética - 1933
À sombra das tamareiras - contos -1934
Sombras que sofrem - crônicas - 1934
Um sonho de pobre - memórias - 1935
Destinos - 1935
Lagartas e libélulas - 1935
Memórias inacabadas - 1935
Notas de um diarista - séries 1935 e 1936
Reminiscências - memórias -1935
Sepultando os meus mortos - memórias - 1935
Últimas crônicas - 1936
Contrastes - 1936
O arco de Esopo - contos - 1943
A funda de Davi - contos - 1943
Gansos do capitólio - contos - 1943
Fatos e feitos - 1949
Diário secreto (2 vols.) - memórias - 1954
Da seara de Booz - crônicas - 1918
Vale de Josaphat - contos - 1918
Tonel de Diógenes - contos - 1920
A serpente de bronze - contos - 1921
Mealheiro de Agripa - 1921
Carvalhos e roseiras - crítica - 1923
A bacia de Pilatos - contos - 1924
Pombos de Maomé - contos - 1925
Antologia dos humoristas galantes - 1926
Grãos de mostarda - contos - 1926
Alcova e salão - contos - 1927
O Brasil anedótico - anedotas - 1927
Antologia da Academia Brasileira de Letras - participação - 1928
O monstro e outros contos - 1932
Memórias 1886-1900 - 1933
Crítica (4 séries) - 1933, 1935, 1936
Os países - 1933
Poesias completas - reedição poética - 1933
À sombra das tamareiras - contos -1934
Sombras que sofrem - crônicas - 1934
Um sonho de pobre - memórias - 1935
Destinos - 1935
Lagartas e libélulas - 1935
Memórias inacabadas - 1935
Notas de um diarista - séries 1935 e 1936
Reminiscências - memórias -1935
Sepultando os meus mortos - memórias - 1935
Últimas crônicas - 1936
Contrastes - 1936
O arco de Esopo - contos - 1943
A funda de Davi - contos - 1943
Gansos do capitólio - contos - 1943
Fatos e feitos - 1949
Diário secreto (2 vols.) - memórias - 1954
Francisco Leal
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