Com base nos viciados costumes sociais, políticos e
mercantilistas tradicionais da nossa história, a sensação nítida que brilha
como o sol do meio dia é a de que alguns donos do poder concederam a si mesmos
a liberdade impudica e despudorada para roubar impunemente. Por roubar, em
sentido amplo, devemos compreender o corromper (e ser corrompido), o furtar, o
extorquir, o parasitar, o se enriquecer ilicitamente etc. Em lugar da moral,
prudência, moderação, trabalho, estudo, aplicação, dedicação e afinco, toda
nossa história está paradigmaticamente marcada pela corrupção, temeridade,
intemperança, ociosidade, ignorância, dissipação e degeneração.
A escola indecorosa e degradante da vida política
brasileira, irrigada pela infindável falta de escrúpulos de alguns mancomunados
agentes econômicos e financeiros, conta com fronteiras cinzentas, surpreendendo
a cada dia no avanço dos seus horizontes: os vícios e os crimes têm se
multiplicado de uma forma espantosa e abominável, eliminando-se todo tipo de
discernimento entre o lícito e o ilícito, entre o justo e o injusto, entre o
moral e o imoral, tudo como fruto de um embotamento ético assaz preocupante.
De vez em quando, particularmente quando o desvio
do dinheiro público se torna ostensivo ou abusivamente excessivo, o esquema
adredemente planejado (de imunidade dos donos do poder) foge do controle. É
nesse momento que a polícia apresenta algum seletivo êxito.
Quando o malfeito é descoberto, toda a cumplicidade
criminosa entre os partidos e o mundo empresarial é posta em xeque. Rompe-se a
regra geral do silêncio conivente, sobretudo e primordialmente por meio da
delação premiada, da qual agora está fazendo uso in extenso o
ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa.
A delação premiada, na medida em que implica uma
traição e "deduragem" de
terceiras pessoas, é (eticamente) uma imoralidade, mas que se tornou útil e até
mesmo necessária (dizem seus sectários) naqueles países com capacidade
investigativa falida ou sensivelmente enfraquecida (como o Brasil). Quando os
países se sentem impotentes para descobrir em toda sua extensão os mais
hediondos e nefastos crimes contra a coletividade, sobretudo dos poderosos,
eles se juntam ao criminoso, para captar a sua prestimosa colaboração.
A colaboração premiada, prevista na nova lei do
crime organizado (12.850/13), da qual a delação é uma espécie, permite ao
delator quatro tipos de premiação: 1) perdão judicial, 2) diminuição de 2/3 da
pena, 3) sua substituição por penas restritivas de direito ou 4) abstenção do
início do processo.
É preciso que a delação seja efetiva, ou seja, que
produza concreto resultado positivo durante a investigação ou no curso do
processo (identificação de coatores ou revelação da estrutura do crime
organizado ou localização de vítima ou recuperação total ou parcial do produto
ou proveito do crime). O prêmio é aferido conforme a efetividade da
colaboração.
Todos os resultados práticos citados são
relevantes, mas especial atenção deve merecer a restituição do "roubado", por quem tem
condições e bens para fazer a restituição. Quem se apropria do alheio deve ser
privado do próprio (já dizia Beccaria, em 1764 - veja nosso livro Beccaria
250 anos, Saraiva -, que sinaliza e benfazeja a pena de empobrecimento como
adequada para essas situações).
Quem desse tema cuidou com acuidade invejável, no
entanto, foi o padre Antônio Vieira (1608-1697), autor de uma vastíssima obra
moral-religiosa, de notável e distinguido cunho crítico. No seu festejado Sermão
do Bom Ladrão, o autor nos deixou como legado um veemente discurso a respeito
da ladroagem que grassava em seu tempo (e que não se arrefeceu com o passar dos
tempos). Para ele o ladrão que tem bens com que restituir o que roubou (como é
o caso do Paulo Roberto Costa, cujas contas bancárias na Suíça ascendem a mais
de US$ 25 milhões de dólares), toda a sua fé e toda a sua penitência não bastam
para o salvar, se não restituir.
Recorda P. Antônio Vieira (segundo sua lógica
moralista-religiosa) que nem mesmo Cristo, na cruz, prometeria o Paraíso ao
ladrão sem que restituísse (podendo) o que surrupiou. Cristo, para Dimas,
disse: Hoje serás comigo no Paraíso. Para Zaqueu afirmou: Hoje entrou a salvação
nesta tua casa. A salvação do ladrão Dimas foi instantânea; a do larápio Zaqueu
foi adiada. Qual a diferença?
P. Antônio Vieira explica: "Dimas era ladrão pobre e não tinha com que restituir o que
roubara; Zaqueu era ladrão rico, e tinha muito com que restituir; Dimas era
ladrão condenado, e se ele fora rico, claro está que não havia de chegar à
forca; porém Zaqueu era ladrão tolerado, e a sua mesma riqueza era a imunidade
que tinha para roubar sem castigo, e ainda sem culpa" (Sermão do Bom
Ladrão, p. 27). Zaqueu somente foi perdoado quando prometeu restituir o roubado
em quádruplo. Moral da história: "A
salvação [do ladrão rico] não pode entrar [não pode acontecer] sem se perdoar o
pecado, e o pecado não se pode perdoar sem se restituir o roubado".
Por LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e
diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
Estou no professorLFG.com.br e no twitter: @professorlfg
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Edição do Jornal da
Parnaíba
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2 comentários:
O país devia era abaixar o combustível, e não ficar nesta roubalheira da Petrobras e um país rico.
O imposto devia baixar ai tudo e ficar bom, mais os olhos grande demais.
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