As vítimas dos linchamentos, que se tornaram comuns
em toda América Latina (o continente mais violento do planeta), são
consideradas inimigas pelos seus algozes: mas nisso reside um erro crasso,
porque os verdadeiros inimigos são os grandes responsáveis pela situação de
injustiça profunda, que é a causadora da intolerância, da impaciência, do
rancor, da raiva e do ódio. O menosprezo ao humano comum, em lugar de
desencadear uma rebeldia vertical (contra os de cima, contra os donos do poder
injusto), se volta (horizontalmente) contra os oprimidos, os fracos, os débeis.
Emaranhados em nossos labirintos individualistas, não captamos o sentido exato
das coisas (muito menos as lógicas das relações de poder).
Alexis de Tocqueville (um historiador e pensador
político francês - 1805-1859), em 1831, durante sua viagem aos EUA, descreveu a
multidão que viu da seguinte maneira: "uma imensa quantidade de homens
semelhantes e de igual condição girando, sem descanso, à volta de si mesmos, em
busca de prazeres insignificantes e vulgares com que preenchem as suas almas.
Cada um deles, colocando-se à parte, é como um estranho face ao destino dos
outros" (em Riemen: 2012, p. 16). Vivemos lado a lado com as pessoas e não
mais as conhecemos (porque só temos visão para nós mesmos).
O problema: toda sociedade composta (em sua
expressão média) de um conglomerado de gente cuja existência se exaure ou se
explica apenas em torno do viver, ou do sobreviver, jamais do conviver
humanamente (o que só acontece quando todos os humanos são pessoas dotadas
de dignidade, que jamais podem ser tratadas como coisas, como afirma o
imperativo categórico de Kant), não passa de umasociedade de massas, que se
caracteriza pela ausência de limites, tal como escreveu o filósofo espanhol
Ortega y Gasset (1883-1955), na década de 30 do século XX: "Viver é não
encontrar limitação alguma; praticamente nada é impossível; nada é perigoso,
ninguém é superior a ninguém". Ele é o autor da célebre frase "Debaixo
de toda vida contemporânea se encontra latente uma injustiça".
De acordo com Riemen (2012, p. 17), a sociedade
de massas (que nada tem a ver com as sociedades pensantes e comprometidas
com os valores mais relevantes para a vida digna) é o resultado inevitável do
que Nietzsche previra com lucidez: o declínio dos valores morais, que chegou ao
niilismo (ao nada). No final do século XIX Nietzsche estava convencido de que o
ideal de civilização baseado em valores superiores havia perdido seu
fundamento. A sociedade trocou seus valores e tudo que existe não é senão uma
projeção do indivíduo; qualquer coisa que possa ter algum significado não
significa nada, porque perdeu a sua validade universal.
Nas sociedades mais extremamente injustas, como a
nossa (em que ¾ da população não conseguiram superar ainda sequer o patamar do
analfabetismo funcional), o declínio dos valores morais superiores parece muito
mais acentuado, porque cada um adota como preocupação do viver somente aquilo
que entende ser conveniente. Vive-se, portanto, como um escravo dos seus
desejos, emoções, impulsos, medos e dos preconceitos. Nada mais é absoluto,
salvo a liberdade que cada um concede a si mesmo, liberdade de viver desenfreadamente
conforme os seus impulsos. Tudo, então, parece aberrantemente permitido
(inclusive tirar a vida das outras pessoas como se fossem insetos). É nesse
tipo de sociedade que grande parcela dos habitantes do planeta está vivendo em
pleno século XXI (tudo recordando o bellum omnium contra omnes de
Hobbes: "guerra de todos contra todos").
Da redação do Jornal da
Parnaíba
Por LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e
diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no professorLFG.com.br
Curta nossa fanpage no Facebook



Nenhum comentário:
Postar um comentário