sábado, fevereiro 15, 2014

Uma história de amor na Munguba

A propósito da colaboração "Beco da quarentena" do nosso festejado overmano Filipe Mamede, é impossível deixar de lembrar de "Uma História de Amor na Munguba", texto que escrevi em 2004 na primeira vez que estive em Parnaíba. 

O seu Augusto, dono do bar a que se refere a história faleceu, após breve enfermidade, no final de 2006, aos 61 anos. Segundo relatos, um filho adotivo do Augusto continua levando o negócio, embora eu não acredite que isto dure. 

A propósito, a região de Parnaíba denominda "Quarenta", conta a lenda, tem esta denominação devido a uma puta excepcionalmente bonita e gostosa, cujo michê era 40 reis, valor considerado exorbitante pelos freqüentadores da Zona. Acredito, no entanto, que o nome se deva a constantes quarentenas que eram impostas pelas autoridades sanitárias após as enchente que assolavam a referida região onde, até hoje, o esgotamento corre a céu aberto Abaixo, reproduzo

Uma história de amor na Munguba

O poeta Elmar Carvalho, fico-lhe (e)ternamente grato por isto, foi quem primeiro me falou do “Bar do Augusto”. Situado na Munguba, antiga região do baixo meretrício em Parnaíba o Bar, pilotado por seu dono, é freqüentado por inúmeros intelectuais da Parnaíba. Quem o conhece sabe que sua principal atração são os mais de dois mil LPs. que, exclusiva e carinhosamente manuseados pelo Augusto, são colocados a serviço dos ouvidos nostálgicos de seus seletos freqüentadores. Nas paredes do Bar, fotos de freqüentadores e até um poema do próprio Elmar.

Conversei muito com o proprietário do bar, pessoa muito simpática e agradável. Ainda assim não me atreveria a escrever sobre o que ele significa para os seus freqüentadores entusiastas (isto o próprio Elmar já fez com grande propriedade). Mas, da conversa com o seu Augusto, descobri uma cativante história de amor vivida por ele antes que o “Bar do Augusto” se tornasse o que é. E esta é uma história que vale a pena ser contada:

Em 1966 o nosso herói Augusto Machado de Oliveira (o seu Augusto) era um jovem mancebo de 21 anos que trabalhava em um bar próximo ao Porto das Barcas. A Zona do baixo meretrício funcionava a todo vapor nas proximidades da Quarenta. Foi em um bar lá perto da zona que o Augusto conheceu a Dona Maria Vicência Alves, que, aos 43 anos, era a proprietária da “Boate Estrela do Ponto 4”, cabaré fartamente frequentado pelas putas e seus potenciais fregueses. Foram vítimas de uma paixão fulminante que resultou, poucos meses depois, no seu casamento comemorado com festa e tudo o mais a que os noivos tinham direito. E o Seu Augusto passou a administrar, junto com a sua amada esposa, aquela Boate.

Na primeira noite em que fiquei sozinho no cabaré – me contou ele – teve briga e até facada e eu fiquei meio apavorado. Contei a ela a respeito do meu estado de espírito!
Não, se preocupe, meu bem – ela disse – você logo se acostuma!

O casal se desfez, no entanto, dezessete anos depois, quando a morte levou a Dona Vicencia. O nosso Augusto estava, aos 38 anos de idade, viúvo. E sabem o que aconteceu? Nunca mais se casou! O amor por aquela mulher 22 anos mais velha do que ele o fez manter a viuvez que ostenta até hoje. Uma linda história de amor difícil de acontecer nos dias que correm, vocês não acham?

Grandes enchentes ocorreram alagando toda a região da quarenta, o que acabou resultando no desaparecimento da Zona.

Hoje o seu Augusto, ainda viúvo, vive feliz tocando o seu Bar que se chama “Recanto da Saudade do ponto 4” ou, simplesmente, Bar do Augusto. De alguns fregueses ele sabe de cor as preferências musicais e estes nem precisam pedir para que o seu Augusto toque as músicas que lhes tocam o coração. Gosto de pensar que nome do bar mistura a saudade que o Seu Augusto ainda sente pela amada Vicencia com a saudade das músicas do passado que sedimenta a sua nostálgica freguesia!

beijos e abraços
do Joca Oeiras, o anjo andarilho

Munguba: árvore também conhecida como mungubeira. O nome vem do tupi mô’guba ( Dicionário NovoAurélio)

Poema de Elmar Carvalho reproduzido em uma das paredes do “Bar do Augusto”

POSTAL 1 *
Elmar Carvalho

As águas podres
Da vala da quarenta
Tomam banho nas águas puras do Igaraçu
Nas imediações da Munguba
Onde bêbados pobres de dentes podres
Dizem coisas doces por entre
O bafo azedo do vômito e da cachaça
Um bolero, o tilintar dos copos, os ruídos
Da noite e os gemidos de camas e casais
Completam as cenas e o cenário

*Integra o poema “Três postais da Parnaíba

Por Joca de Oeiras

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