Estamos sendo enganados no Brasil pelo populismo
penal. O recurso ao direito penal para a criminalização (primária) dos delitos
relacionados com o trânsito se encontra amplamente justificado. O direito
administrativo (Código de Trânsito brasileiro e outras normas), isolado, não se
apresenta com a suficiência necessária, diante das gravíssimas implicações e
consequências das infrações viárias (46 mil mortes somente em 2012, conforme
projeção do Instituto Avante Brasil), assim como da relevância dos bens
jurídicos envolvidos (vida, integridade física etc.).
Mas imaginar que a utilização das normais penais,
por si só, constitua a solução para o problema é um grande equívoco. Isso é
enganação. E é nesse grave equívoco que têm incorrido tanto a política brasileira
de segurança viária como grande parcela da população, que sempre se ilude com o
agravamento das leis (achando que vai melhorar). O legislador não pode deixar
de fazer nada, é verdade, mas tampouco pode deixar (dentro do seu papel
fiscalizatório do Poder Executivo) que nada mais aconteça depois da edição da
lei.
Lamentavelmente, tudo isso é muito deficitário no
nosso país. A fraqueza e a debilidade do Poder Público, diante do enorme
desafio que sugere a diminuição das mortes no trânsito, estão mais do que evidenciadas.
A falta de coordenação entre os órgãos públicos, a carência de materiais e de
pessoas, o deplorável desvio do dinheiro arrecadado com as infrações de
trânsito, dentre outros fatores, contribuem para o mau desempenho preventivo da
lei penal.
Apesar de todas essas limitações, basta um mais ou
menos relevante aumento do número de mortes para que o legislador tome suas
providências (de endurecimento penal e administrativo, sempre). É isso que
estamos fazendo no nosso país.
Essa política da enganação legislativa, no campo da
segurança viária, começou sistematicamente com o Código de Trânsito brasileiro
em 1997, quando o Datasus já registrava 35.620 mortes no trânsito. A reação
punitiva e fiscalizatória foi imediata e relativamente eficaz, tendo em vista o
amplo apoio midiático dado ao novo Código.
Quando esta lei parou de produzir o efeito
desejado, modificou-se novamente o CTB, em 2006, e aí já contávamos com 36.367
mortes. Não tendo funcionado bem essa nova lei, veio a Lei Seca de 2008, quando
alcançamos o patamar de 38.273 mortes.
De 2009 para 2010, logo depois de passada a ressaca
da lei seca de 2008, aconteceu o maior aumento de óbitos no trânsito de toda
nossa história: 13,96%. Aumento notável na frota de veículos, sobretudo de
motocicletas (hoje com 75 milhões no total), frouxidão na fiscalização,
morosidade na punição e erros crassos da lei, tal como a exigência de
comprovação de 6 decigramas de álcool por litro de sangue: foi dessa maneira
que chegamos em 2010 a 42.844 mortes (dados do Datasus). Sem uma sistemática
política de prevenção de acidentes, só nos resta ir contabilizando as mortes,
projetadas para 46 mil em 2012.
Edição: Jornal da Parnaíba | Por LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e
diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no institutoavantebrasil.com.br

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