Foto: Amanda Guimarães para o Jornal da Parnaíba |
Todas as vezes que fui a Florianópolis e Salvador,
dentre outras tantas cidades, sempre fiquei imaginando como um dia poderíamos
conseguir uma convivência pacífica e não mortífera nas suas lindas orlas? E por
que isso não poderia valer também para a Avenida Paulista em São Paulo? Como
imaginar os espaços urbanos sem nenhuma morte, sobretudo em razão dos brutais
atropelamentos. Como os pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas
poderiam conviver em um ambiente bastante seguro, menos poluído, com menos
ruídos e sem acidentes fatais? Tudo não passaria de uma utopia? Seria uma ideia
maluca? Nada disso.
Extremamente econômica e saudável, não sei se nossa
geração vai testemunhá-la. As futuras com certeza desfrutarão desse paraíso
convivencial. Quando? No Brasil, se considerarmos o quanto resistimos a uma
medida tão trivial como uso de cinto de segurança, talvez serão necessárias
várias décadas. Na Europa, tudo isso já é realidade em várias cidades e, em
menos de uma década, se o Parlamento Europeu transformar em lei uma Iniciativa
Popular que já está tramitando por lá, desde setembro de 2012 (e se esta mobilização
popular atingir um milhão de assinaturas no prazo de um ano), a providência vai
cobrir todo o continente europeu.
A redução da velocidade nos centros urbanos
constitui uma providência civilizadora que revela a superação (nessa área) da
nossa vulgaridade. Já presente em 34 cidades ingleses e várias espanholas (El
País de 28.12.12, p. 22), o cidadão já não é tratado como meropedestre mortável
(exterminável). Em Pontevedra (Espanha) a medida já vigora há 4 anos. Nenhuma
morte mais por atropelamento aconteceu. Mais de 70% dos motoristas ingleses
estão apoiando a medida (porque estão conseguindo trafegar com maior velocidade
que antes).
Em 2011 Noruega reduziu em 20% o número de mortos
no trânsito. Letônia, em 18%. Espanha, em 17%. Bulgária, em 15%. Romênia, em
15%. No Brasil, desde 2000 nosso aumento anual é de 4,4%. É hora de acordarmos
para um novo mundo, mais civilizado e menos vulgar. A baixa velocidade é uma
medida menos radical que a proibição de circulação do veículo ou mesmo que a
instalação de pedágios urbanos. Ela atende o interesse do motorista assim como
a política preventiva de redução de acidente e/ou morte no trânsito (estimulada
pela ONU).
Estatística divulgada pelo Observatório de
Segurança Viária da Espanha (El País de 19.09.10, p. 17) dá conta do seguinte:
se um carro trafega a 30 km/h, 30% dos atropelados saem ilesos, 5% morrem e 65%
ficam feridos. Se o carro trafega a 50 km/h, somente 5% saem ilesos, 45% morrem
e 55% ficam feridos. Se o carro trafega a 65 km/h, ninguém sai ileso, 85%
morrem e 15% ficam feridos. Se o carro trafega a 80 km/h ou mais, ninguém sai
ileso e (praticamente) 100% morrem (El Pais de 19.09.10, p. 17).
Como se vê, a redução da velocidade (sobretudo nos
centros urbanos) reduz a sinistralidade assim como a mortalidade. As ruas têm
que ser devolvidas civilizadamente aos pedestres e ciclistas, criando-se um
ambiente de convivência pacífica entre eles e os motociclistas e motoristas.
Menos mortes, menos feridos, menos ruído, menos
contaminação atmosférica, menos destruição das árvores e do verde, menos
restrição ao ato de viver em paz. Imaginar esse cenário quase bucólico no
Brasil é uma quimera, porque sabemos que o brasileiro, no volante de um
veículo, em geral (há exceções, claro) é um nazista, um fascista (DaMatta et
alii: 2010, p. 8). Tenta impor também no trânsito as suas superioridades
hierárquicas, desrespeitando a igualdade do trânsito. É hora de todos nós nos
conscientizarmos e superarmos nossa boçalidade e vulgaridade. A mortandade no
trânsito brasileiro faz parte de uma guerra civil macabra, que parece nunca ter
fim.
Nossa reeducação tem que passar (a) pela reeducação
democrática (respeito ao princípio da igualdade), (b) pela reeducação cultural
(cultura da obediência à lei, que se choca com a concepção aristocrática e
hierarquizada da nossa sociedade) e (c) reeducação religiosa (o fé em Deus
e pé na tábua conduz à imprudência, à fatalidade) (DaMatta et alii:
2010, p. 75 e ss.). Grandes desafios desafiam grandes administradores e grandes
povos. Vamos fundo e pé na tábua nesse programa de reeducação.
Edição de Wilson Junior/Jornal da Parnaíba
Por: LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e
diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no institutoavantebrasil.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário. Favor assinar o blog com nome e e-mail.