
Vamos neste artigo dar uma olhada em
alguns casos divulgados pelo portal G1 nesta semana. E aí vamos distinguindo o
que é crime, o que é duvidoso e o que é infração administrativa. Antes,
recordemos os textos legais (e você notará a semelhança de redação):
Infração
administrativa: Art. 165. Dirigir
sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência: Infração - gravíssima;
Crime: “Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade
psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância
psicoativa que determine dependência:
Penas –
detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de
se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1. As condutas
previstas no caput serão constatadas por:
I – concentração
igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou
superior a 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar; ou
II – sinais que
indiquem, na forma disciplinada pelo CONTRAN, alteração da capacidade
psicomotora.”
Da leitura do novo art. 306 se depreende
que o órgão acusatório deve comprovar dentro do devido processo legal todos os
requisitos típicos exigidos pelo crime:
1º)
que o agente conduzia um veículo (o ato de conduzir exige deslocamento do
veículo; não basta estar sentado no banco do motorista, com as mãos no
volante);
2º)
que se trata de um veículo automotor (o Código de Trânsito traz o conceito de
veículo automotor, que é o se locomove por si mesmo; bicicleta, por exemplo,
não é veículo automotor);
3º)
que houve ingestão de álcool ou outra substância psicoativa que determine
dependência (drogas ilícitas, remédios etc.);
4º)
a forma da condução do veículo automotor, visto que não basta a ingestão de uma
substância, sendo necessário, pela lei, que haja condução sob a influência de álcool ou de outra substância
psicoativa que determine dependência; para se descobrir se a substância
influenciava ou não a direção do veículo, um excelente indicador é a forma de
condução;
5º)
a capacidade psicomotora do condutor alterada (em razão da influência da
substância ingerida); em cada caso concreto impõe-se comprovar (não presumir),
porque se trata de requisito expresso da lei, a alteração dessa capacidade.
Para
além desses requisitos expressos na lei, muito contribuirá para a correta
classificação da infração (se administrativa ou criminal) o seguinte:
6º)
sempre que possível, o grau da intoxicação etílica ou decorrente de outra
substância (a quantificação da intoxicação, o tempo transcorrido desde a
ingestão da substância etc.);
7º)
o local da condução do veículo (via pública ou via privada: de se notar que a
nova lei já não especifica o local da condução, podendo ser qualquer um dos
mencionados; isso é muito relevante para a aferição da afetação ao bem jurídico
protegido, logo, para a existência ou não de crime);
8º)
que algum bem jurídico (vida ou integridade física ou patrimônio) entrou no
raio de ação da real periculosidade da conduta (não é preciso haver vítima
concreta, sim, vítima indeterminada).
Dissecadas as novas exigências legais
para a configuração do crime do art. 306 do CTB, que deixou de ser de perigo
abstrato (presumido), para se converter em perigo real (periculosidade real da
conduta, de forma a diminuir a segurança viária), vamos aos casos concretos:
1) Um
homem de 38 anos capotou o carro. Segundo a Polícia Militar (PM), o condutor,
que seria médico e apresentava sintomas de embriaguez, dirigia um carro preto
em alta velocidade, quando perdeu o controle em uma curva, bateu no meio fio,
capotou e bateu em um poste. Equipes dos bombeiros e da PM atendiam a
ocorrência quando o poste caiu em cima das viaturas. Ninguém ficou ferido. Mesmo
depois de ter sido socorrido, o motorista ficou deitado no asfalto.
Nossos comentários: não há dúvida que houve crime
(art. 306). O capotamento do carro é sinal inequívoco de que a embriaguez
afetou a forma de dirigir assim como a capacidade psicomotora do agente. Aliás,
ter ficado deitado no asfalto é forte indício de que sequer podia deambular.
Quem não consegue andar sem apoio externo está completamente embriagado. Isso
significa dirigir sem condições de segurança. Afeta a segurança viária.
2) As
imagens mostram que o homem [o motorista] tentou ficar de pé, mas não conseguiu
fazê-lo por muito tempo. Ele foi amparado por uma mulher e teve de ser deitado
no asfalto. Minutos depois, ele deixou o local carregado por outras duas
pessoas. Quando os homens do Batalhão de Trânsito chegaram, o condutor já não
estava mais no local e, por isso, ele não foi autuado em flagrante. Ele também
não passou pelo teste do bafômetro.
Nossos comentários: de acordo com a nova lei não é
preciso fazer o teste do etilômetro. Outras provas são suficientes para
comprovar a embriaguez. Ter ficado deitado no asfalto é forte indício de que
sequer podia deambular. Quem não consegue andar sem apoio externo está
completamente embriagado. Isso significa dirigir sem condições de segurança.
Afeta a segurança viária. Estamos diante do crime do art. 306, mesmo sem prova
técnica da embriaguez. De se notar que não é preciso gerar qualquer acidente,
basta não ter condições de dirigir com segurança. A prova sobre isso deve ser
inequívoca.
3) Um
caminhoneiro que saiu de Brasília foi preso na rodovia BR-060. De acordo com a
Polícia Rodoviária Federal (PRF), ele estava visivelmente embriagado e
confessou que bebeu desde às 4h. O motorista foi denunciado por outros
condutores que disseram que ele fazia zigue-zague com o caminhão.
Nossos comentários: estar visivelmente embriagado já
significa dirigir sem condições de segurança. Aqui está a periculosidade real da
conduta. O perigo na nova lei não é presumido. Nada se pode presumir contra o
réu. O direito penal não permite isso. É preciso prova a periculosidade real,
como, por exemplo, estar visivelmente embriagado. Além disso, o motorista
dirigia em zigue-zague. Comprovadamente estamos diante do crime do art. 306.
4)
Motorista fez o teste do bafômetro, que constatou uma quantidade de álcool 10
vezes maior que o tolerado (0,99 mg/l) e três vezes acima do limite mínimo que
leva à prisão em flagrante (0,3 mg/l).
Nossos comentários: não existe unanimidade na
ciência médica sobre a partir de que grau de intoxicação o sujeito está
totalmente embriagado. De 0,8g a 1,5g a probabilidade da embriaguez é grande.
Acima de 1,5g não há dúvida. Trata-se de embriaguez completa. Três vezes acima
do limite mínimo de 0,3mg/l (etilômetro) equivale a 1,8g. Logo, podemos já
falar com segurança de embriaguez completa, total. Nesse estado, o motorista
não reúne de modo algum condições de dirigir com segurança. Afeta a segurança
viária. Crime do art. 306 (sem dúvida).
5) Imagens
feitas por um cinegrafista amador flagraram um motorista recolhendo latinhas de
cerveja às margens da GO-080, após um acidente. De acordo com a polícia, ele
estava sob o efeito de álcool e conduzia uma caminhonete que capotou várias
vezes. O veículo ainda bateu em outro carro. Com o impacto das colisões,
latinhas e garrafas de cerveja ficaram espalhadas pela pista. “Estava super
bêbado. Tiraram ele daqui na hora para não fazer o bafômetro”, denunciou uma
testemunha, que acompanhou o acidente.
Nossos comentários: foi cometido o crime do art.
306. A forma de dirigir o veículo diz tudo (capotamento). O veículo colidiu com
outro carro: mais uma evidência de que o condutor não estava com sua capacidade
psicomotora intacta. Não fez o exame de sangue ou etilômetro: não precisa. Se
as testemunhas confirmarem que estava “super bêbado” basta. Prova testemunhal
mais forma de conduzir o carro levam ao crime do art. 306.
6) A
Polícia Rodoviária Estadual (PRE) recebeu denúncias de que um motorista estaria
bêbado fazendo zigue-zague na GO-070. Ele foi levado para a delegacia e teve o
carro e a carteira apreendidos.
Nossos comentários: dirigir em forma de zigue-zague
revela total insegurança. Há afetação da segurança viária. Com provas da
embriaguez, não há dúvida sobre a existência do crime do art. 306.
Em todos
os casos analisados estamos diante do crime do art. 306. Quando haverá mera
infração administrativa? Normalmente nas blitzes, que são feitas para a
prevenção de acidentes. É que, neste caso, o condutor está dirigindo (em regra)
de forma normal. É de se imaginar que nessas blitzes mais de 90% dos motoristas
bêbados serão enquadrados na infração administrativa. Em alguns raros casos
haverá crime. Por exemplo: quando o conduta está visivelmente (ostensivamente,
notoriamente) bêbado. Um bom teste: ele não consegue caminhar sozinho, sem o
apoio de alguma coisa ou de alguém. Quem dirige visivelmente embriagado afeta
de forma grave a segurança viária. Nisso reside o perigo real ou a
periculosidade real da conduta. Estamos aqui diante de um crime (não de uma
infração administrativa). Chamo a atenção do leitor para o seguinte: perceba
quantos níveis de embriaguez nós temos. Conforme cada uma há uma consequência
jurídica distinta.
Quando o
juiz examina um caso e a prova sobre a capacidade psicomotora do agente é
duvidosa, não há outro caminho senão absolver o réu no processo criminal e
mandar cópia de tudo para a autoridade administrativa, para fazer incidir o
art. 165 (infração administrativa).
Autor: LUIZ FLÁVIO GOMES, 55, doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Estou no professorlfg.com.br
Edição de José Wilson Albuquerque Santos Junior – Bacharel em Direito pela UESPI
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