Dediquei-me ao magistério, a partir do primeiro ano
de faculdade. Jovem e idealista, anos 70, arrebentava em escolas famosas de
Teresina, entusiasmado, estilo diferente de lecionar, sempre de pé, inferniza
estudantes, estimulando-os à prática da redação em tempo real, em praças
públicas e indústrias. Exigia exposição oral das tarefas, frente aos colegas,
em sala. Nada de enrolar com decorebas e cópias de terceiros. Estimulava-os à
pesquisa, ao exercício da oratória, ao prazer de ler escritores e articulistas
consagrados, a fim de escrever corretamente, imitando-os. Eu não era de
reprová-los.
Mexia-lhes a emoção ao interpretar, por exemplo,
VOZES D'ÁFRICA, Castro Alves. Umedeciam-lhes os olhos. Ou "PORQUE HOJE É
SÁBADO", soneto de Vinícius de Morais, que causou celeuma nas freiras do
Sagrado Coração de Jesus, pela escolha irreverente: "Bares estão cheios de
homens vazios, porque hoje é sábado".
Na época, devorei quatro romances (Tetralogia
Piauiense) do parnaibano Assis Brasil, consagrado e premiado. Apreciava o
talento do romancista retratando a cidade natal. Personagens reais
dos romances perambulavam em conhecidas ruas, no Cabaré Salão Azul, na
pantanosa e miserável Quarenta, na Praça da Graça, no Cine Éden, no porto do
Rio Parnaíba, nos prostíbulos à beira do cais, à beira da vida, no passado
próspero, cujas cicatrizes de decadência ainda se conservam nos casarões e
armazéns abandonados. Eu me sentia regressar à simpática e acolhedora cidade, onde
residira, seminarista, no Convento de São Sebastião, por dois anos.
Afoito e determinado convidei o escritor e
acadêmico Francisco Miguel de Moura para conhecermos, pessoalmente, Assis
Brasil, no Rio. E conseguimos. Afastado, há anos, do Piauí, aceitou-nos o
convite para visitar Teresina. Jornalista Deoclécio Dantas, dias depois,
noticiou na Rádio Pioneira, e, por telefone, no ar, do Rio, Assis Brasil
desmentiu, deselegantemente, nosso convite. E não veio. Melhor, pois notícias
piores vinham de Parnaíba contra o escritor.
Lendo BEIRA RIO, BEIRA VIDA, A FILHA DO MEIO QUILO,
SALTO DO CAVALO COBRIDOR e PACAMÃO, dirigi-me a Parnaíba, com máquina
fotográfica a tiracolo. Banquei jornalista investigativo. Entrevistei
personagens, de quem eu tinha certeza de estarem inseridas nos romance como
elementos de ficção. O escritor afirmara-me que eram. E não eram. Nomes,
sobrenomes, passagens biográficas que coincidiam com as dos enredos da ficção,
que serão comprovados nesta e outra crônica.
Juntei fotografias e
conversas com as personagens, ainda vivas, e publiquei modesto livro, ASSIS
BRASIL E SUA OBRA, em 1978. Apenas uma edição de mil exemplares, esgotada em
poucos dias. Recebo convites para reeditá-lo, mas negligência não me deixa
ganhar dinheiro.
Darcy Mavinier, personagem em BEIRA RIO, BEIRA VIDA
e PACAMÃO, encontrei-o em Parnaíba, depois passeamos de carro, aparece assim:
"Esse Darcy... depois que andou por tudo que era casa de rapariga e perdeu
a farda, casou mesmo com uma daqui. Uma prima. Até bonita a danada...Nunca mais
deu por essas bandas do cais... Gastava dinheiro do pai, da mãe e da avó...
chegava em casa de madrugada, se agarrando pelos postes...tinha um anjo da
guarda, um menino feio que foi criado por ele - diziam que o único serviço do
Pacamão era limpar os vômitos de Darcy...vivia no Salão Azul... desgraçado
farrista atrás da filha da Maria Brandão... tinha vício por menina... minha mãe
é quem sabia de tudo." Darcy, realmente, estudara na escola
militar de Realengo, no Rio. As reticências são minhas para abreviação.
Darcy Mavinier, osso e carne, residia, em 78, na
Rua Marquês de Herval, próximo à Praça Sto. Antônio. Ajudou-me a encontrar
outras pessoas retratadas pelo romancista como ficcionais. Para Darcy,
"tudo não passou de pura infâmia". Assis Brasil nascera e vivera a
infância na casa de número 487, Rua Francisco Correia, a poucos metros da
residência dos Mavinier.
Darcy e outros cidadãos de
Parnaíba identificados nos romances relataram mágoas que, hoje, esbarrariam em
ações judiciais. Concluí por que razões o premiado escritor de projeção
nacional desistira de visitar o Piauí, em 1978.
Edição: Jornal da Parnaíba | Por José Maria
Vasconcelos/Entre Textos

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