sexta-feira, abril 06, 2012

'Faixa de Gaza do Nordeste' entre Ceará e Piauí abriga 29 mil pessoas

Área disputada pelo Piauí e Maranhão
Piauí entrou com ação requerendo a posse de 2.821 quilômetros quadrados na divisa do Estado com o Ceará; tudo começou quando o Ceará cedeu parte do seu litoral ao Piauí em troca de Crateús.

Os 12 mil habitantes do pequeno município de Poranga, localizado a 344 quilômetros de Fortaleza, vivem na fronteira da imprecisão. As 3.398 residências da cidade estão dispostas ao longo de uma estrada de 30 quilômetros na divisa dos Estados do Piauí e Ceará. Apesar de pertencer ao Ceará, o Piauí reivindica 66% da área do município.

A dúvida de quem nasceu e mora em Poranga é se a cidade continuará pertencendo ao Ceará, como tem sido ao longo de toda a história, ou se verá mais da metade de seu território, de um dia para o outro,  passar a pertencer ao Piauí.

Os moradores de Poranga dividem essa incerteza com outros cearenses e piauienses. Isso porque o governo do Piauí ingressou com uma ação cível em agosto de 2011 no Supremo Tribunal Federal (STF) requerendo a posse de 2.821 quilômetros quadrados de território na divisa com o Ceará. Se a corte julgar o pedido procedente, além de Poranga, parte do território de 13 municípios hoje do Ceará passarão a pertencer ao Piauí. Do outro lado da divisa, sete municípios piauienses também seriam desmembrados e incorporados ao Ceará.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo de 2010, contabilizou a população dessas áreas em litígio para os dois Estados nordestinos. Estima-se que aproximadamente 29 mil pessoas constam na contagem tanto do Piauí como do Ceará.

Serra de Ibiapaba, região disputada pelos dois estados
Disputa secular
A briga remonta ao Segundo Império (1840 a 1889), de Dom Pedro II, e, de lá para cá, fez a área de litígio entre os dois Estados ficar conhecida como “Faixa de Gaza do Nordeste. Isso porque o próprio governo do Piauí, na ação, alega que o território virou “terra sem lei”.

Tudo começou em 1880, quando o Ceará cedeu um pedaço de seu litoral para o Piauí, que não tinha acesso ao mar por águas tranquilas e próximas a Parnaíba, maior centro comercial à época, e precisava exportar seu algodão. A região era chamada de Freguesia da Amarração, hoje onde está o município de Luís Correia. Em troca, o Ceará ficou com a Freguesia da Comarca Imperial, no sopé da Serra da Ibiapaba, onde atualmente fica o município de Crateús. 

Feito o acordo, a divisa foi demarcada, mas não com a precisão devida. Desde então, os dois Estados travam uma batalha para definir a quem pertence o que. Em 1920, um convênio arbitral tentou pôr fim à questão, contudo, fracassou. À época, um árbitro um governante de outro Estado sem interesse na disputa_ foi nomeado para traçar a linha demarcatória, o que nunca ocorreu. Entretanto, é nesse documento do começo do século passado que o Piauí baseia a sua ação.

Sem entendimento
Agora, o Piauí não questiona apenas o direito da posse do território cedido ao vizinho em troca do trecho no litoral, como também coloca em xeque outras duas áreas, perfazendo praticamente toda a divisa entre os dois Estados. O governo piauiense só não tem dúvidas sobre o que recebeu no acordo de 1880.

O procurador geral do Piauí, Kildere Ronne de Carvalho Sousa, diz que o Estado tenta desde 2003 um entendimento com o Ceará. “O que a gente percebeu é que a questão não se revolvia. Se tiver de haver um acordo, que seja feito por meio da Justiça. Porque os acordos passados não foram cumpridos”.

Trecho da Carta Arbitral de 1920 sobre
a divisa entre Ceará e Piauí
Segundo o procurador, em sua última proposta, antes de recorrer ao Judiciário, o Piauí sugeriu dividir as três áreas em litígio. As duas menores passariam a pertencer ao território piauiense. Já a área maior, permaneceria com o Ceará. O inverso também foi sugerido, mas o governo cearense não aceitou.

O governo piauiense se baseia no convênio arbitral de 1920, alegando que a Serra da Ibiapaba seria a divisão natural que demarca a divisa nas regiões hoje indefinidas. “O que ficar ao ocidente é do Piauí e ao oriente, do Ceará”, explica Kildere Sousa.

Do outro lado, a Procuradoria Geral do Ceará (PGE-CE) sustenta que o Piauí está tentando “forçar judicialmente uma redefinição das divisas com uma demarcação que desrespeita a continuidade das posses”. O titular da Procuradoria do Patrimônio e do Meio-Ambiente (Proprama), Diogo Musy, defende o critério ocupação para definir a posse ao invés de uma demarcação geográfica, como quer o Piauí.

Em sua contestação apresentada ao STF, a PGE-CE diz que o convênio arbitral de 1920 no qual se baseia o Estado vizinho “não passou de uma carta de intenção política”. O texto diz que o documento “caducou”, pois nunca foi cumprido. Isso porque a demarcação prevista nele nunca foi feita na prática. 
O governo do Ceará rebate ainda a afirmação de que as áreas de litígio são “terra sem lei”. “Há uma gama de equipamentos públicos de saúde, educação e de lazer custeados pelo Ceará e pelas prefeituras”. A procuradoria lembra que o Estado possui 75 escolas nos 14 municípios cearenses.

Omissão
Além do Piauí, o Ceará tem problemas de definição das divisas, em menor medida, com os Estados do Rio Grande do Norte e Pernambuco. Na Assembleia Legislativa do Ceará, uma comissão comandada pelo deputado Neto Nunes (PMDB) tenta, desde 2009, soluções amistosas com os vizinhos. 
Neto Nunes critica a atitude do governo piauiense.

“O Piauí tem sido omisso com a população que está querendo para si. Nunca deu assistência, não levou energia, não levou água, não levou escola, não levou saúde e não fez anda por aquela população. Como pode dizer hoje que pertence ao Piauí?”, questiona.

A ação
Em sua contestação, a PGE do Ceará pede que o STF julgue a ação do Piauí como improcedente. Contudo, por trás das alegações e do discurso duro do deputado cearense, há uma movimentação no sentido de que o processo seja suspenso e as negociações voltem acontecer na esfera política.

No site do STF, na página referente à ação cível originária (ACO) – 1831, consta que, no mês de fevereiro deste ano, a União propôs submeter a questão à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) e suspender o processo. Porém, no último dia 29 de março o mandado da intimação para que o Piauí se pronunciasse sobre a proposta foi devolvido.

O relator responsável pela ação no STF é o ministro Dias Tófffoli, 44 anos, indicado para a vaga na corte em 2009. Ele é formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e tem especialização em Direito Eleitoral.

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Edição: Jornal da Parnaíba | Por Daniel Aderaldo, iG

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