
A vida por um fio. O Fantástico denuncia matança em acidentes com motos
no Piauí; Fantástico denuncia que álcool e moto causam quase metade das mortes
no trânsito do Piauí
O Fantástico deste domingo, dia 16, na Rede Globo
de Televisão, mostrou em sua reportagem especial que o Piauí é o estado com o
maior número de motoqueiros mortos em acidentes de trânsito no País. Nada menos
que 46%, quase a metade dos mortos no trânsito são motociclistas no Piauí. “Em
grande parte, quase 90% dos acidentes com moto que chegam ao hospital, o álcool
está envolvido. Não há dúvida”, afirmou médico neurocirurgião Daniel França que
atende no Hospital de Urgência de Teresina.
É no fim de semana, entre a noite de sexta-feira e
a madrugada de segunda-feira, que os acidentes se multiplicam no Piauí. Na
região norte de Teresina, em uma rua que concentra muitos bares na calçada, tem
muita moto também. Muitos nem disfarçam: em cima da mesa, estão garrafas, copos
cheios e capacetes. “Minha moto está lá na frente”, disse o estoquista
Cristiano Pinheiro. Outro motoqueiro revela que já tomou 12 copos de cerveja.
Em Teresina, as barreiras da Lei Seca não assustam
ninguém. Basta circular nos bairros da boemia da cidade para comprovar. À 1h30
da madrugada, em uma área movimentada da noite de Teresina, só em um pedaço da
rua havia mais de 300 motos estacionadas. Os donos estavam em uma festa.
O vendedor Audivan Oliveira conta que já bebeu umas
20 cervejas e vai voltar de moto para casa. É difícil encontrar no local alguém
que depois da farra não volte para casa guiando moto. Anderson Rodrigues, de 18
anos, não tem nem habilitação e reconhece que é perigoso voltar guiando a moto
depois de beber tanto. Tentando justificar, ele chama o amigo para guiar o
veículo. Os dois saem sem capacetes.
No Piauí, em média, três pessoas morrem por dia
vítimas de acidentes com motos. No pronto-socorro de Teresina, o neurocirurgião
Daniel França passou três anos desenvolvendo uma pesquisa com os pacientes. A
conclusão é estarrecedora: “Os nossos números mostram que, dos pacientes
vítimas de trauma de crânio que chegam ao Hospital de Urgência de Teresina, que
é o hospital que drena todas as urgências do Piauí e parte do Maranhão, quase
70% são por acidentes de moto. Então, é uma média 700% superior à média
mundial”.
Se na capital o problema é grave, no interior é
assustador. A equipe foi até o município de Demerval Lobão, a 50 quilômetros de
Teresina. Era dia de feira na cidade, dia de muito movimento nas estradas.
Com a ajuda de Gerônimo, que é mototaxista, a
equipe pegou o caminho de uma comunidade rural em que o povo da roça costuma se
divertir nos fins de semana. Atravessamos o rio em uma balsa movida a manivela
e seguimos viagem.
O mototaxista, em sua moto sem placa, também é
conhecido como paulista. Não demora muito e ele nos apresenta o primeiro bar do
caminho. “É a segunda ou a terceira (pinga). Tomo uma para abrir os caminhos e
o apetite”, disse.
Vamos em frente e encontramos mais um boteco de
beira de estrada. Fazemos mais uma parada e o nosso guia vai direto ao balcão.
“Estou trabalhando. Eu trabalho 24 horas por dia. Bebo, mas não perco o
reflexo”, afirmou.
Não é isso que dizem os especialistas. O
neurocirurgião José Weber, da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas
Gerais, desenvolveu um estudo para avaliar os efeitos da ingestão de álcool no
cérebro. “Na medida em que a pessoa ingeriu o álcool, ela perde a capacidade de
frear, de responder em tempo hábil. O tempo de resposta dela, que era para ser
em torno de 0,75 segundos, vai para 2 segundos, 3 segundos. Então, ela está
sujeita a um acidente”, explicou.
“Estou 100% para ir e vir. Já tomei umas cinco
pingas e consigo ir e vir”, garante o mototaxista Gerônimo. O médico José Weber
discorda: “Ele fica com o raciocínio lógico prejudicado. Fica com alterações da
atenção. Não conseguindo focar naquilo que é importante para o cérebro
trabalhar e, à medida que a ingestão vai aumentando, ele entra em um estado de
alterações visuais, alterações do equilíbrio, alterações da coordenação
motora”.
O nosso guia beberrão mostrou que nosso médico está
certo. Ele tenta explicar para a nossa equipe o que sabe sobre o Código de
Trânsito Brasileiro: “É conhecimento, é visão, que é a vista, previsão que é um
escudo, habilidade, que é a cintura”. Depois de muitas paradas e muitos goles,
ele voltou para a cidade.
Não há estatísticas de acidentes com motos na zona
rural do Piauí. O que se sabe é que, na grande maioria dos casos, as vítimas
estavam alcoolizadas. Basta visitar algumas comunidades para entender melhor o
problema. A concentração de motos perto de bares da roça, em uma tarde de
domingo, é grande.
Na comunidade de Vaquejador, a 70 quilômetros de
Teresina, as famílias costumam se encontrar no único campo de futebol.
O motorista Francisco Carlos Bacellar tem 27 anos e
mora na capital. Nos fins de semana, ele costuma visitar o vilarejo, para rever
os parentes, os amigos e beber com eles. “Cheguei de manhã no bar e estou tomando
uma. Vou sair daqui guiando a moto. Não acho perigoso, se não tiver um jumento,
uma vaca para atropelar”, disse ele.
Quando o dia foi terminando, Francisco começou a se
despedir. Ele se acha pronto para enfrentar a estrada: “Hoje eu bebi umas 38
cervejas. Só uma vez eu tive uma queda na estrada”.
Antes de partir, ele toma mais uma cerveja,
enquanto a mulher vai pegar a bagagem. “Vou tomar uma aqui para não perder o
ritmo. Se dormir, é pior”, afirma o motorista.
A noite chega, e o risco aumenta para desespero da
mãe, dona Joana. Francisco monta na moto e, com a mulher na garupa, segue
viagem. Até Teresina, muita curva e muito buraco no caminho.
A equipe segue a 60 km/h em uma estrada ruim e não
consegue acompanhar Francisco. No asfalto, ele foi a 100 km/h. Mas ele deu
sorte: conseguiu chegar em casa sem nenhum arranhão.
Infelizmente, não foi o que aconteceu com José
Maria de Brito. Um percurso bem menor traçou o destino dele aos 28 anos e hoje
está aposentado por invalidez. “De repente, uma S-10 cruzou a frente e eu me
esborrachei. Tive traumatismo craniano. Eu estava a uns 100 km/h. Nesse dia, eu
tinha bebido”, relembrou.
Mossoró, a maior cidade do interior do Rio Grande
do Norte, proporcionalmente, tem a maior frota de motos do Brasil. Em cada
quatro moradores, um é motociclista. E como no Piauí, na grande maioria dos
acidentes, as vítimas estavam alcoolizadas.
O agricultor José Alves de Oliveira tinha acabado
de sair de um bar, na zona rural, e está hospitalizado. Ele diz que não
conseguiu desviar de outro motociclista que atravessou a estrada. “Ele estava
bebendo e eu também. Ele morreu na hora”, contou. “Sempre que eu saio para
beber, saio na minha moto, mas eu sempre saio devagar”.
As pessoas que sofrem acidentes de moto depois de
beber levam grande desvantagem na hora da recuperação. Este é mais um dado da
pesquisa que o Dr. Daniel França fez no Hospital de Urgências do Piauí. “Quanto
maior a concentração de álcool no sangue, maior a gravidade do trauma”,
explicou.
Grave também é a liberdade que os motociclistas
encontram nas ruas para cometer imprudências, em um estado que sequer sabe o
tamanho da sua frota.
A cada dez motos que rodam no estado, sete são
irregulares. Estes dados são do próprio Detran do Piauí, que tem apenas 25
fiscais para cobrir 224 municípios, incluindo a capital. Há quatro meses, a
fiscalização foi suspensa. Um dos motivos é que o pátio que guarda veículos
apreendidos não tem mais espaço para receber motos irregulares.
Mas, no interior, a fiscalização esbarra em outro
obstáculo. O diretor geral do Detran do Piauí, José Antônio Vasconcelos, afirma
que os fiscais encontram resistência da população e de políticos locais. “Os
políticos não impedem a fiscalização, porque o estado pode mais. Mas eles não
querem e criam obstáculos. Prefeito vai para a blitz e cria problema”, afirmou.
Não é só o Detran. No Piauí, a Polícia Rodoviária
Federal também sofre pressão para não fiscalizar. “Esporádicas, mas por vezes
sem êxito. As pressões são diversas, é uma questão cultural da região”, afirma
Wellendau Ténorio, da Polícia Rodoviária Federal.
Durante uma operação da Polícia Rodoviária no
município de Campo Maior, 40 motos foram recolhidas em apenas duas horas. Foi
difícil encontrar alguém que estivesse em dia com as leis de trânsito. Um
motociclista não tinha habilitação, estava transportando um passageiro sem
capacete, e a moto dele não estava emplacada.
O Ministério da Saúde reconhece que o Brasil vive
uma epidemia de mortes no trânsito. “Uma parte importante dos óbitos por moto,
quase 80%, é de pessoas entre 15 e 39 anos”, afirmou o ministro da Saúde,
Alexandre Padilha.
São jovens como José Maria, Gerônimo, Francisco e
Vicente. Por sinal, Vicente voltou para casa guiando a moto, depois de seis
horas de bebedeira. Chegar ele chegou, mas sofreu um acidente.
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Edição: Jornal da Parnaíba com informações da
Globo e clicapiaui
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