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A disputa induz a romper laços afetivos |
A alienação parental vem ganhando espaço no direito
de família e, se não detectada e tratada com rapidez, pode ter efeitos
catastróficos. “Síndrome da Alienação Parental” (SAP) é o termo proposto pelo
psicólogo americano Richard Gardner, em 1985, para a situação em que a mãe ou o
pai de uma criança a induz a romper os laços afetivos com o outro genitor,
criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação a ele.
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Os casos mais comuns de alienação parental estão
associados a situações em que a ruptura da vida conjugal gera em um dos pais
uma tendência vingativa. Quando ele não consegue aceitar a separação, começa um
processo de destruição, vingança, desmoralização e descrédito do ex-cônjuge.
Nesse processo vingativo, o filho é utilizado como instrumento da agressividade
direcionada ao ex-parceiro.
Apenas em 2010 a alienação parental foi inserida no
direito brasileiro, e já chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) como tema
de processos. A Lei 12.318/10 conceitua a alienação parental como “a
interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou
induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou
adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor
ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Estão exemplificadas no dispositivo atitudes caracterizadoras da alienação
parental e, além disso, existe a previsão de punições para seus praticantes.
Características
Nos casos identificados como alienação parental, um
dos pais (o genitor alienante) procura excluir o outro (genitor alienado) da
vida dos filhos, não o incluindo nas decisões mais importantes sobre a vida das
crianças. O alienante também interfere nas visitas que o alienado tem com as
crianças, controlando os horários e o impedindo de exceder seu tempo com os
filhos. Além disso, ele inclui a criança no conflito entre os genitores,
denegrindo a imagem do outro genitor e, às vezes, até fazendo falsas acusações.
“Com maior frequência do que se supõe, reiteradas
barreiras são colocadas pelo guardião com relação às visitas. Esses artifícios
e manobras vão desde compromissos de última hora, doenças inexistentes, e o
pior disso tudo é que ocorre por um egoísmo fruto da animosidade dos
ex-cônjuges, com a criança sendo utilizada como instrumento de vingança”, diz
Felipe Niemezewsky da Rosa em seu livro “A síndrome de alienação parental nos
casos de separações judiciais no direito civil brasileiro”.
Consequências
No centro desse conflito, a criança passa a ter
sentimentos negativos em relação ao genitor alienado, além de guardar memórias
e experiências exageradas ou mesmo falsas – implantadas pelo genitor alienante
em um processo também chamado de “lavagem cerebral” (brainwashing).
Ao mesmo tempo, as crianças estão mais sujeitas a
sofrer depressão, ansiedade, ter baixa autoestima e dificuldade para se
relacionar posteriormente. “É importante notar que a doutrinação de uma criança
através da SAP é uma forma de abuso – abuso emocional –, porque pode
razoavelmente conduzir ao enfraquecimento progressivo da ligação psicológica
entre a criança e um genitor amoroso. Em muitos casos pode conduzir à
destruição total dessa ligação, com alienação por toda a vida”, explica Richard
Gardner, criador do termo, em artigo sobre a Síndrome da Alienação Parental
publicado na internet, em site mantido por pais, mães, familiares e
colaboradores.
Ou seja, os maiores prejuízos não são do genitor
alienado, e sim da criança. Os sintomas mais comuns para as crianças alienadas
são: ansiedade, medo, insegurança, isolamento, depressão, comportamento hostil,
falta de organização, dificuldade na escola, dupla personalidade. Além disso,
por conta do comportamento abusivo ao qual a criança está sujeita, há prejuízo
também para todos os outros que participam de sua vida afetiva: colegas,
professores, familiares.
Papel do Judiciário
Para a especialista Hildeliza Cabral, o Judiciário
não deve ser a primeira opção. “Detectada a situação, deve o genitor alienado
procurar apoio psicossocial para a vítima e iniciar o acompanhamento
psicoterapêutico. Em não conseguindo estabelecer diálogo com o alienante,
negando-se ele a participar do processo de reconstrução do relacionamento, deve
o alienado requerer ao Juízo da Vara de Família, Infância e Juventude as providências
cabíveis”, escreve em artigo sobre os efeitos jurídicos da SAP.
Analdino Rodrigues, presidente da ONG Apase
(Associação de Pais e Mães Separados), concorda que o Judiciário só deve ser
procurado em último caso, e que os pais devem buscar o entendimento por meio do
bom-senso. Só se isso não for possível é que o Judiciário deve ser procurado
como mediador. A ONG atua na conscientização e informação sobre temas ligados à
guarda de crianças, como alienação parental e guarda compartilhada, e atuou na
formulação e aprovação da lei de alienação parental.
Porém, a alienação parental ainda é uma novidade
para os tribunais brasileiros. “Por tratar-se de um tema muito atual, ainda não
existem muita jurisprudência disponível, justamente por ser um assunto em
estudo e que ainda enfrenta muitas dificuldades para ser reconhecido no
processo”, diz Felipe Rosa.
Entretanto, ainda assim a Justiça pode ter um papel
decisivo na resolução dos conflitos: “O Judiciário só necessita de técnicos
qualificados (psicólogos e assistentes sociais), especialistas em alienação,
para saber a gradação da mesma, ou seja, para saber até que ponto a saúde
física e psicológica da criança ou adolescente está comprometida.”
No STJ
O primeiro caso de alienação parental chegou ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) em um conflito de competência entre os
juízos de direito de Paraíba do Sul (RJ) e Goiânia (GO). Diversas ações
relacionadas à guarda de duas crianças tramitavam no juízo goiano, residência
original delas. O juízo fluminense declarou ser competente para julgar uma ação
ajuizada em Goiânia pela mãe, detentora da guarda das crianças, buscando
suspender as visitas do pai (CC 94.723).
A alegação era de que o pai seria violento e que
teria abusado sexualmente da filha. Por isso, a mãe “fugiu” para o Rio de
Janeiro com o apoio do Provita (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas
Ameaçadas). Já na ação de guarda ajuizada pelo pai das crianças, a alegação era
de que a mãe sofreria da Síndrome de Alienação Parental – a causa de todas as denúncias
da mãe, denegrindo a imagem paterna.
Nenhuma das denúncias contra o pai foi comprovada,
ao contrário dos problemas psicológicos da mãe. Foi identificada pela perícia a
Síndrome da Alienação Parental na mãe das crianças. Além de implantar memórias falsas,
como a de violência e abuso sexual, ela se mudou repentinamente para o estado
do Rio de Janeiro depois da sentença que julgou improcedente uma ação que
buscava privar o pai do convívio dos filhos.
Sobre a questão da mudança de domicílio, o juízo goiano
decidiu pela observância ao artigo 87 do Código de Processo Civil, em
detrimento do artigo 147, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA). De acordo com o primeiro, o processo ficaria em Goiânia, onde foi
originalmente proposto. Se observado o segundo, o processo deveria ser julgado
em Paraíba do Sul, onde foi fixado o domicílio da mãe.
Para o ministro Aldir Passarinho Junior
(aposentado), relator do conflito na Segunda Seção, as ações da mãe
contrariavam o princípio do melhor interesse das crianças, pois, mesmo com
separação ou divórcio, é importante manter um ambiente semelhante àquele a que
a criança estava acostumada. Ou seja, a permanência dela na mesma casa e na
mesma escola era recomendável.
O ministro considerou correta a aplicação do CPC
pelo juízo goiano para resguardar o interesse das crianças, pois o outro
entendimento dificultaria o retorno delas ao pai – e também aos outros parentes
residentes em Goiânia, inclusive os avós maternos, importantes para elas.
Exceção à regra
No julgamento de embargos de declaração em outro
conflito de competência, o ministro Raul Araújo destacou que o caso acima é uma
exceção, devendo ser levada em consideração a peculiaridade do fato. Em outra
situação de mudança de domicílio, o ministro considerou correta a aplicação do
artigo 147, inciso I, do ECA, e não o CPC (CC 108.689).
O ministro explicou que os julgamentos do STJ que
aplicam o artigo 87 do CPC são hipóteses excepcionais, em que é “clara a
existência de alienação parental em razão de sucessivas mudanças de endereço da
mãe com o único intuito de deslocar artificialmente o feito”. Não seria o que
ocorreu no caso, em que as mudanças de endereço se justificavam por ser o
companheiro da genitora militar do Exército.
Guarda compartilhada
A guarda compartilhada foi regulamentada pela Lei
11.698/08. Esse tipo de guarda permite que ambos os pais participem da formação
do filho, tendo influência nas decisões de sua vida. Nesse caso, os pais
compartilham o exercício do poder familiar, ao contrário da guarda unilateral,
que enfraquece o exercício desse poder, pois o genitor que não exerce a guarda
perde o seu poder, distanciando-se dos filhos e sendo excluído da formação das
crianças. Ele, muitas vezes, apenas exerce uma fiscalização frouxa e, muitas
vezes, inócua.
Para a ministra Nancy Andrighi, “os filhos da
separação e do divórcio foram, e ainda continuam sendo, no mais das vezes,
órfãos de pai ou mãe vivos, onde até mesmo o termo estabelecido para os dias de
convívio demonstra o distanciamento sistemático daquele que não detinha, ou
detém, a guarda”. As considerações foram feitas ao analisar um caso de disputa
de guarda definitiva (REsp 1.251.000).
De acordo com a ministra, “a guarda compartilhada é
o ideal a ser buscado no exercício do poder familiar entre pais separados,
mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas,
para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal
psicológico de duplo referencial.”
A ministra Nancy Andrighi considerou, ao analisar
um caso de disputa da guarda definitiva, que não era necessário haver consenso
dos pais para a aplicação da guarda compartilhada, pois o foco é o melhor
interesse do menor, princípio norteador das relações envolvendo filhos. O
entendimento de que é inviável a guarda compartilhada sem consenso fere esse
princípio, pois só observa a existência de conflito entre os pais, ignorando o
melhor interesse da criança. “Não se busca extirpar as diferenças existentes
entre o antigo casal, mas sim, evitar impasses que inviabilizem a guarda
compartilhada”, explicou a ministra.
“Com a guarda compartilhada, o ex-casal passa a se
relacionar ao menos formalmente, buscando melhores formas de criar e educar os
seus filhos”, explica o presidente da Apase. “Logo, a guarda compartilhada é um
importantíssimo caminho para inibir a alienação parental”, completa Rodrigues.
A ONG também atuou na formulação e aprovação do projeto de lei da guarda
compartilhada.
O ideal é que ambos os genitores concordem e se
esforcem para que a guarda dê certo. Porém, muitas vezes, a separação ou
divórcio acontecem num ambiente de conflito ou distanciamento entre o casal –
essas situações são propícias para o desenvolvimento da alienação parental. A
guarda compartilhada pode prevenir (ou mesmo remediar) a alienação parental,
por estimular a participação de ambos os pais na vida da criança.
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