sábado, outubro 16, 2010

O brasileiro esquecido

Dilma Rousseff e e José Serra durante a disputa presidencial
Em sua reta final, a campanha eleitoral termina sem que os candidatos à presidência da república tenham sido claros sobre suas propostas centrais para eliminar as distorções estruturais que limitam o desenvolvimento do país.

Uma pena. Deveriam aproveitar os espaços disponíveis na mídia e dedicar-se mais sobre discussões profundas a respeito do Brasil e do seu lugar no mundo à luz da história, para que não se repitam no futuro os erros do passado.

Até o momento, as questões foram pautadas pelas pesquisas nas intenções de voto, a mesma força que moldou as opiniões dos candidatos sobre os temas que chegaram a tocar nos amarrados debates televisivos. Sem medo do perigo das generalizações, ficou óbvio que eles preferiram responder às demandas de grupos de pressão específicos, principalmente aqueles organizados e com interesses corporativos.

Falaram para negros, índios, idosos e deficientes físicos. Fizeram promessas aos milhões de dependentes de programas de repasse de verbas, os beneficiados pelo Bolsa Família. Mandaram recados aos funcionários públicos avisando que eles não perderiam no futuro e que suas profissões seriam ainda mais valorizadas. Tudo correto. Os grupos especiais precisam de tratamento especial. Eles sabem o que querem e dão seu voto a quem os trata bem.

Mas teria sido saudável se os candidatos tivessem dedicado mais tempo ao brasileiro esquecido, aquele sujeito das classes produtivas que trabalha cinco meses por ano apenas para pagar impostos. Os pequenos e médios empresários que empregam sete em cada dez brasileiros com carteira assinada. As demais empresas, que contratariam mais gente e pagariam melhor seus funcionários se não tivessem de entregar aos governos um real para cada real que pagam de salário. Falar para esse brasileiro esquecido exige que se abra a agenda esquecida, a as reformas estruturais que libertariam as potencialidades capazes de levar e sustentar o Brasil a níveis de crescimento econômico e de desenvolvimento muito maiores do que aqueles que nossa atual configuração permite sonhar.

Faltou falar que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não deixou uma “herança maldita”, mas, ao contrário, lançou as bases do Brasil estável, equilibrado, de finanças públicas saudáveis e pacífico que hoje desfrutamos. Que o erro de FHC foi justamente trabalhar para o brasileiro esquecido – fazendo o bem geral ao custo de desagradar aos interesses organizados.

FHC fez o que precisava ser feito, enfrentou corporações (não a dos bancários, mas de banqueiros), valeu-se de seu enorme prestígio pessoal com os grandes mandatários do mundo para impedir que o Brasil quebrasse diante das crises mundiais formidáveis e repetidas e do ataque especulativo dos piratas financeiros. Não é preciso retórica para defender o legado de FHC. Os números bastam.

Quando alguém fizesse acusações caluniosas de que FHC privatizou estatais, vendendo-as a preço de banana, seria necessário levantar vozes para lembrar que toda a receita arrecadada com a privatização foi inferior ao total de passivos assumidos pelo Tesouro durante o governo. A venda das estatais totalizou 108,1 bilhões de reais. A limpeza dos “esqueletos” no armário responsáveis pela inflação inercial que inviabilizava o Brasil foi de 148,1 bilhões de reais. Os esqueletos eram os créditos podres que minavam o sistema bancário – não apenas o privado, mas também o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Os esqueletos eram as dívidas gigantescas acumuladas por estados, inclusive o nosso Piauí, cujos governantes, na prática, tinham conquistado o direito de emitir moeda – tornando inócuo qualquer plano anti-inflacionário. Sem eliminar essa, sim, herança maldita que recebeu de governos passados, FHC não teria deixado nenhum legado louvável.

Discutir a herança de FHC na perspectiva correta teria dado aos candidatos a chance de entender melhor o Brasil e de dar mais consistência a suas propostas para o futuro.

José Cardoso de Araújo Sobrinho
Economista.

Edição: Jornal da Parnaíba

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