terça-feira, junho 30, 2009

Refugiados das aguas: Cocal das incertezas

Um mês após as enchentes que arrasaram cidades no Nordeste, confiram como está a situação das famílias nos municípios mais destruídos do Piauí e do Maranhão
O pequeno cemitério da comunidade de Franco, na cidade de Cocal, a 280 quilômetros de Teresina, no Piauí, é o último ponto até onde se pode ir de carro. O restante da estrada de acesso à barragem Algodões, cerca de três quilômetros, foi destruído pelo arrombamento do açude, na tarde do dia 27 de maio. Um mês e quatro dias depois, no rastro da destruição, ficaram na memória o que havia de moradias, estabelecimentos comerciais, plantações e animais que se foram com as águas.
A incerteza sobre o futuro também martela. Até ontem, somente 98 das 349 famílias que perderam tudo, tinham a definição do lugar em que terão novas casas. A tragédia deixou nove mortos.
De onde se pode ir de carro, a vista da parede do reservatório é grandiosa. No entorno, a destruição é inacreditável. Com as águas baixas, a sensação é de que a caminhada até a parede da barragem não é longa. “Cuidado com a ilusão de ótica”, alerta o agente comunitário de saúde, Wladimir Machado de Albuquerque, hoje espécie de guru da comunidade.
Ex-operador de vazão da Algodões, Wladimir foi ridicularizado ao propagar dias antes do arrombamento que a barragem não resistiria. Na caminhada de mais de uma hora pelo terreno enlameado, relembra os momentos daquele dia, onde além do cemitério com túmulos revirados, só restou a igrejinha erguida em 1849.
Wladimir não concordou com o retorno das famílias no dia 15 de maio para a região ameaçada. No início do mês, os moradores tinham sido retirados, mas após avaliação dos técnicos do governo estadual foi autorizado o retorno. Na caminhada sob o sol das 12 horas, Wladimir relata que, no dia 16 de maio, para ele, a barragem já havia arrombado. Isso ficou claro quando as placas de sustentação de uma das pontas da parede do sangradouro começaram a se soltar. No dia 27, Wladimir chegou cedo à parede da barragem. Por volta das 10 horas, técnicos do governo do Piauí também foram ao local. No contato, afirmou que o arrombamento não demoraria mais que duas horas. Diante os desesperos dos técnicos, Wladimir disse que ficaria responsável pela retirada dos moradores mais próximos de Franco.
Arregimentou moradores da comunidade e pediu para saírem gritando que a barragem tinha arrombado. Com quatro horas e cinco minutos do horário previsto por Wladimir, um estrondo anunciou o arrombamento. Da parede, onde minutos antes dera um mergulho na barragem, acompanhou o “dilúvio”. No retorno da caminhada com os repórteres, para e olha os grandes blocos de pedra espalhados pela terra brejada. Ao chão, peças azulejadas de piso indicam os resquícios da antiga casa em que seus pais moraram.
E-Mais ENTENDA COMO FOI A TRAGÉDIA
A barragem Algodões 1, localizada no município de Cocal, no Norte do Piauí, começou a ser construída em 1995, mas só foi finalizada em 2003. O local foi projetado para armazenar 52 milhões de metros cúbicos de água. Este ano, não suportou as fortes chuvas que caíram no Estado e, principalmente, na Região Norte do Ceará. Isso porque a Algodões recebe as águas do rio Pirangi, que passa pela Serra da Ibiapaba (Cocal fica a menos de 60 km da serra). Estima-se que, no dia 27 de maio, a barragem chegou aos 57 milhões de metros cúbicos. Não suportou o volume e, por volta das 16h05min, foi destruída pela força das águas. Segundo o relato dos moradores, a onda gigante chegou a 10 metros de altura.
A primeira comunidade atingida fica a poucos metros do açude. Do local onde antes existiam casas, plantações e muitos animais, sobraram apenas as enormes rochas que foram levadas pelas águas após o estouro. Não sobrou um tijolo sequer das dezenas de casas ali construídas. Dos nove mortos na tragédia, sete moravam na localidade Algodões I e eram de uma mesma família. Os outros dois mortos moravam no distrito de Angico Branco.
Até um pequeno prédio comercial do ex-prefeito de Cocal, José Maria Monção, foi completamente destruído pela enchente. O estabelecimento ficava a 3 km da parede da barragem.
Luiz Henrique Campos e Thiago Cafardo (textos)Igor de Melo (fotos)
O Povo online

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