Acostumamo-nos com a
corrupção no Brasil.
A percepção é que a
maioria é corrupta Era uma vez um jovem honesto e idealista que, um dia,
descontente com o rumo do país, resolveu entrar para a política. Seu objetivo:
mudá-lo para melhor. Em sua terceira campanha eleitoral, finalmente se elegeu
vereador.
Eleito, ele começou
a enfrentar dificuldades na Câmara Legislativa Municipal. Três anos depois,
nada do que propôs havia sequer sido votado, quanto mais aprovado. Enquanto
isso, diversos de seus colegas aprovavam tudo o que queriam, normalmente apenas
em benefício próprio.
As eleições se
aproximavam e, com elas, a necessidade de financiamento para a próxima campanha
e de alguma realização para apresentar a seus eleitores. Ele resolveu que, em
nome de um bem maior, seu projeto de um país melhor, por uma única vez aceitaria
participar de um esquema ilícito para aprovar seu projeto e financiar a
campanha. Afinal, o que era uma única “pequena” irregularidade em relação a seu
importante e grandioso projeto?
Depois disso, ele se
elegeu deputado estadual, deputado federal e há mais de vinte anos é senador.
Nesse meio tempo, aprovou inúmeros projetos. Hoje, é rico, poderoso e invejado.
O jovem que quarenta anos antes quis entrar para a política para mudar o país
não o reconheceria. Ele virou político para combater pessoas como a que ele
mesmo acabou se tornando.
Cercado por outros
corruptos, hoje ele sequer acha que o que faz é corrupção. É apenas a forma
como as coisas são feitas. Nós, seres humanos, temos a habilidade de
acostumarmo-nos com quase qualquer situação, o que é muito útil para lidar com
as mudanças que a vida sempre traz. Infelizmente, esta habilidade vem com um
grande ônus. Nós nos acostumamos e consideramos normal o que a maioria está
fazendo, principalmente se incluir nosso próprio grupo social. Até ao nazismo,
em um dado contexto histórico, muitos acabaram se acostumando e até aderindo.
No Brasil, acostumamonos com a corrupção.
A percepção é que a
maioria é corrupta. Trouxas são os que não aproveitam as oportunidades de
benefícios próprios que determinados cargos ou situações criam.
Essa percepção acaba
determinando as ações de muitos e criando uma profecia autorrealizável. Se você
acha que essa história só vale para políticos e empreiteiros, atire a primeira
pedra quem nunca traiu a namorada, colou na prova ou guiou no acostamento.
O mesmo sujeito que
joga uma garrafa na rua e se queixa de como sua cidade está suja não joga nem
uma bituca de cigarro e elogia a limpeza quando viaja para Miami ou Cingapura.
O padrão aqui é sujar e reclamar. Lá, é cuidar e elogiar. A pessoa é a mesma.
Precisamos criar condições que estimulem os comportamentos que queremos. A
cidade de Nova York, onde morei por quase dez anos, é famosa por ter reduzido
radicalmente a criminalidade e a sujeira com tolerância zero a ambas. Aqui, precisamos
estender a tolerância zero a todos os padrões errados com os quais nos
acostumamos. Aceitando pequenos delitos abrimos a porta para delitos cada vez
mais graves, até que eles se tornam a norma.
No Japão, um
político corrupto sente tanta vergonha quando descoberto que, muitas vezes, se
suicida. No Brasil, até recentemente, políticos corruptos sequer temiam ser
punidos.
Tomara que a
Operação Lava Jato e punições severas aos culpados comecem a criar uma nova
cultura no país, mas se queremos, realmente que o país mude, temos antes de
mais nada que ser a mudança que queremos ver.
Fonte: Ricardo Amorim/IstoÉ | Edição:
Jornal da Parnaíba
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